TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

81 ACÓRDÃO N.º 179/10 Seria, pois, como que se direito à identidade do filho, apesar de questionado na acção, não fosse o seu objecto directo, ou imediato. O processo destinar-se-ia sobretudo a fazer prevalecer o direito à autoconformação da iden- tidade do pai. Por outro lado, diz-se igualmente na decisão que se justificaria uma restrição à verdade biológica, que deixaria de ser “um valor absoluto”, em nome de outras razões, como a da protecção da família conjugal; embora não sendo o direito à identidade do filho que esteja em causa, justificam-se os limites a esse direito, na acção de impugnação com a prevalência de determinados outros valores. Entendemos que é, efectivamente, o direito à identidade que está em causa na acção de impugnação, embora mediado pelo direito do pai presumido de ilidir a presunção de paternidade. São duas faces de uma única realidade. (…) No Acórdão do TC n.º 609/07 de 11.12.07, versando sobre a hipótese da acção de impugnação ser movida pelo filho maior ou emancipado, consignou-se que: “as razões que estiveram na origem da declaração da inconsti- tucionalidade do mencionado artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil estão outrossim para a disposição contida no art. 1842.º n.º 1, alínea c) do mesmo Código. Não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, quer dizer, que seja necessário e proporcio- nal face aos valores que estão em causa, sempre que uma questão de filiação é colocada e que se afaste a possibili- dade do direito ser conforme à realidade em homenagem a essas restrições. (sublinhado nosso)”. Nesta decisão, o direito constitucional a salvaguardar é, por isso, também o direito à identidade, mas sem se fazer distinções entre as situações de investigação e as de impugnação, ou seja, como refere, “sempre que uma questão de filiação é colocada”. É certo que a decisão em apreço, tratava apenas da hipótese da acção de impugnação ser movida pelo filho maior ou emancipado, sendo unicamente em relação a esta modalidade que declarou a inconstitucionalidade do prazo de caducidade. Contudo, as razões aduzidas devem valer também para o caso do autor da impugnação ser o pai. (…) As razões de segurança jurídica, fundadas na paz social que advém dum quadro jurídico-familiar estabilizado, mesmo que não correspondendo à verdade biológica, deixam de fazer sentido perante o devir social. É este bem um caso que ilustra que a vida flui como areia por entre os dedos da lei. O que hoje causaria mais alarme social, quando os testes de ADN são de fácil acesso mesmo fora do âmbito da Justiça, é que esta fosse incapaz de recon- duzir a sua verdade à verdade dos genes que de todos pode ser conhecida. Tratar-se-á duma nova ética, mas no fundo reconduz-se à ética primordial do primado da família ou comunidade natural. E isto sobreleva perante o “escândalo” de uma situação familiar com porventura dezenas de anos vir a ser “abalada”, por uma impugnação, que, pelo que já consignámos, nunca deve ser considerada tardia. O prazo em questão apresenta-se como uma salvaguarda desproporcional deste segundo grupo de valores, face à defesa do direito constitucional do direito à identidade do art. 26.º n.º 1 da Constituição. Logo esse prazo, o do art. 1842.º n.º 1 alínea a) do C. Civil, na medida em que é limitador da possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade, é inconstitucional. Assim, não se verifica a caducidade da acção.(…)» 2. É desta decisão que o Ministério Público interpõe recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n. os 1, alínea a), e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), nos seguintes termos: «O representante do Ministério Público, nesta Secção Cível, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n. os 1, alínea a) e 3 da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do douto acórdão de fls. 170/175, na justa medida em que decidiu julgar inconstitucional a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, por violadora do princípio constitucional do direito à identi- dade, contemplado no artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República, que, como tal, não aplicou (…).»

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=