TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 3. O recurso foi admitido. Já no Tribunal Constitucional as partes foram convidadas a alegar. O Ministério Público recorrente conclui: «(…) 1. A norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, ao atribuir ao marido da mãe o direito de impugnar a paternidade presumida no prazo de 2 anos, contados do conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, garante, em termos efectivos e adequados, o direito ao estabelecimen- to da verdade biológica, traduzindo uma adequada ponderação entre o interesse do impugnante em destruir uma paternidade presumida que considera sem base biológica e os interesses do filho – afectado por tal acção “negatória” da paternidade, em que figura como réu – e da estabilidade e protecção da família conjugal. 2. Não pode inferir-se da Constituição que o único modelo, constitucionalmente admissível, em sede de acções de estabelecimento ou de impugnação de paternidade, seja o da absoluta imprescritibilidade de todas elas, inclu- indo as acções “negatórias”, que extinguem a própria relação jurídica. 3. Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de não inconstituciona- lidade da norma desaplicada no douto Acórdão recorrido. (…)» 4. Não foram apresentadas contra-alegações. II — Fundamentação 5. Em primeiro lugar, impõe-se apreciar a oportunidade de conhecer do recurso, face à alteração legis- lativa entretanto determinada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para aprecia- ção do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, cuja redacção era a seguinte, à data da prolação do acórdão recorrido: «1 – A acção de impugnação de paternidade pode ser intentada: a) Pelo marido, no prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade». A Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, deu nova redacção à alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, alterando o prazo dentro do qual pode ser intentada a acção de impugnação da paternidade, que pas- sou a ser de “três anos”. Esta nova redacção aplica-se aos processos pendentes em 2 de Abril de 2009 (artigos 1.º, 2.º e 3.º) e, consequentemente, ao presente caso. O recurso de inconstitucionalidade deve apresentar, em sede de fiscalização concreta, uma “função instru- mental”, ou seja, a decisão da questão de constitucionalidade tem de “influir utilmente na decisão da questão de fundo”; a sua utilidade surge como “condição” do conhecimento do recurso (neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos n. os 169/92, 463/94, 366/96 e 687/04, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ). No caso em apreço, nada obsta, porém, à utilidade do recurso. O “novo” regime não influi “automatica- mente” no juízo formulado pelo Supremo Tribunal de Justiça. Aliás, a decisão recorrida é uma decisão “final” e o órgão seu autor, como qualquer tribunal, não pode reponderar “oficiosamente” as questões já decididas, ainda que sem trânsito, à luz de uma nova lei, a menos que as regras de processo o autorizem a reformular a sua decisão, ou que essa nova lei faça renascer o poder jurisdicional já esgotado com a prolação da primitiva sentença, situação que aqui não ocorre. Entende-se, por isso, que o presente recurso mantém plena utilidade.

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