TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
85 ACÓRDÃO N.º 179/10 de uma nova realidade sociológica em que entra em linha de conta a recomposição do tecido social e de distribuição de riqueza, a ponto de não poder retirar-se a ilação de que o filho, apenas porque não tem definido o seu vínculo de filiação, se encontra numa situação de inferioridade económica e social em relação ao pretenso progenitor, que, por si, possa estimular o recurso à acção apenas com o intuito de obter um direito à herança paterna. A que acresce agora, também, uma mais forte consciencialização dos direitos de personalidade, por parte dos cidadãos, e, em especial, do direito à identidade pessoal, que poderá ter um peso mais significativo, no impulso processual, do que a simples expectativa sucessória. Por fim, entende-se também que o interesse do pretenso progenitor em libertar-se da situação de incerteza quanto à existência de um vínculo de paternidade, que redunda numa garantia de segu- rança jurídica, não tem um valor decisivo quando colocado em confronto com bens constitutivos da personalidade, e não pode merecer uma protecção superior àquela que deve ser conferida a um direito eminentemente pessoal, como é o de conhecimento da identidade dos progenitores. Foram estes argumentos que, em tese geral, foram acolhidos no Acórdão ora recorrido e que, com a colocação da tónica no princípio da verdade biológica, vieram a determinar a formulação de um juízo de inconstituciona- lidade também em relação à norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , do Código Civil, no ponto em que fixa, em relação ao marido da mãe, um prazo de dois anos para a propositura da acção de impugnação de paternidade contado do momento do conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade. A questão que se coloca no presente processo é, pois, a de saber se as considerações que conduziram o Tribunal Constitucional a declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 1817.º, n.º 1, do mesmo Código, aplicável à acção de investigação de paternidade, são plenamente transponíveis para a apreciação do prazo de caducidade previsto naquela outra disposição legal, que, diferentemente, se refere à propositura de acção de impugnação de paternidade. (…) As acções com incidência no estabelecimento da paternidade estão subordinadas a um regime jurídico diferenciado, mormente no tocante aos prazos de caducidade. Quanto ao reconhecimento judicial da paternidade, através da falada acção de investigação, o artigo 1869.º atribui legitimidade activa apenas ao filho, que, nos termos do artigo 1817.º (por via da remissão operada pelo ar- tigo 1873.º) poderia propor a acção durante a menoridade ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. O prazo limite, que corresponde, em regra, ao momento em que o investigante atinge 20 anos de idade, é estritamente objectivo, na medida em que se conta a partir de um evento pré-determinado (o momento em que o investigante atinge a plena capacidade jurídica) e que torna irrelevante, em princípio, um conhecimento subjectivo tardio do vínculo biológico em que assenta a filiação que o filho pretende estabelecer juridicamente. Só nos casos excepcionais, regulados nos n. os 2 a 6 desse preceito legal, é que poderia relevar juridicamente, para efeitos de caducidade, certo facto produzido ulteriormente ao momento em que se consumou a maioridade ou a emancipação do investigante, caso em que o prazo para a propositura da acção (que fica então reduzido a um ano) se conta a partir desse evento: a remoção de registo inibitório, por efeito da rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo (n.º 2); o acesso a escrito em que se declara inequivocamente a paternidade (n.º 3); alteração da relação fáctica ou social que pressuponha o reconhecimento informal de tal vínculo, seja por efeito da morte da mãe ou do investigante, quando este em vida fosse tratado voluntariamente como filho, seja por efeito da cessação voluntária do tratamento como filho (n. os 4 e 5). No que se refere à acção de impugnação de paternidade – que visa a impugnação da paternidade presumida do filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da mãe –, o artigo 1842.º do Código Civil, não só amplia o critério de legitimidade, uma vez que permite que a acção possa ser proposta autonomamente pelos diver- sos titulares da relação jurídica (o marido, a mãe e o filho), como também estabelece prazos de diferente duração e modo de contagem. O marido da mãe beneficia de um prazo de 2 anos, contado da data em que teve conheci- mento de factos ou circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, e, portanto, sem qualquer limite objectivo. A mãe do menor dispõe do mesmo prazo de 2 anos, mas contado do facto objectivo do nascimento, pressupondo o legislador, naturalmente, que a mãe do menor não poderá razoavelmente ignorar a inexistência do vínculo biológico por parte do marido. O filho poderá propor a acção no prazo de 1 ano, que se conta a partir do momento em que atingiu a maioridade ou a emancipação ou, uma vez adquirida essa situação jurídica, a contar do conhecimento das circunstâncias de que possa concluir-se não ser o impugnante filho do marido da mãe.
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