TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
87 ACÓRDÃO N.º 179/10 que a pessoa é condicionada na sua personalidade pelo factor genético (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, pp. 204-205). Como se afirmou no Acórdão n.º 456/03, já mencionado, «Tal direito inclui no seu conteúdo essencial a pos- sibilidade de qualquer pessoa tomar conhecimento da sua ascendência, nomeadamente, da sua filiação natural. Nessa medida, a lei consagra os mecanismos judiciais que visam efectivar o exercício de tal direito, permitindo a investigação da filiação (maternidade, paternidade), de modo a que todos os indivíduos tenham a possibilidade de identificar os seus progenitores para, entre outros fins, ser estabelecido o vínculo de filiação jurídica com base no vínculo biológico». A revisão constitucional de 1997 passou também a consagrar constitucionalmente, no mesmo preceito, o di- reito ao desenvolvimento da personalidade. Este assegura uma tutela mais abrangente da personalidade, que inclui duas diferentes dimensões: (a) um direito à formação livre da personalidade, que envolve a liberdade de acção de acordo com o projecto de vida e capacidades pessoais próprias; (b) a protecção da integridade da pessoa em vista à garantia da esfera jurídico-pessoal no processo de desenvolvimento. Neste plano, o desenvolvimento da personali- dade comporta uma liberdade de autoconformação da identidade, da integridade e da conduta do indivíduo, e nele se pode incluir, além de muitos outros elementos, um direito ao conhecimento da paternidade e da maternidade biológica (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pp. 463-464). Como vimos, a lei prevê a prescritibilidade da acção de investigação de paternidade tal como da acção de impugnação de paternidade. As razões que terão estado na definição desse regime jurídico prendem-se, como se anotou, com o inconveniente da manutenção de uma situação prolongada de insegurança e o perigo de enfraqueci- mento das provas com a passagem do tempo, a que acresce, no que toca especialmente à impugnação da paterni- dade do marido, um outro motivo relacionado com a necessidade de proteger a unidade familiar. Como se concluiu no aresto há pouco citado, como decorrência do direito fundamental à identidade pessoal, a consagração de limites ao exercício do direito a ver reconhecida a filiação natural não poderá inutilizar esse direito. Isto é, independentemente de ser ou não constitucionalmente criticável a possibilidade de consagração de limites, nomeadamente temporais, ao exercício do direito de instaurar a acção de investigação de paternidade, não é já, seguramente, admissível a criação de um limite que, na prática, vede, em absoluto, a possibilidade de o sujeito averiguar o vínculo de filiação natural. Esse princípio foi reafirmado pela jurisprudência constitucional, de forma mais abrangente, em relação ao prazo-regra do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (aplicável à acção de investigação de paternidade por força do artigo 1873.º), em termos tais que veio, mais tarde, a ser declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucio- nalidade dessa referida norma. O Acórdão n.º 486/04, que inaugurou essa jurisprudência, não deixou, todavia, de vincar que o que estava então em causa era o concreto limite temporal previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (pelo qual ao investigante está vedado propor uma acção de investigação de paternidade para além do prazo de dois anos a contar da maioridade ou emancipação), e não a questão de saber se a imprescritibilidade da acção corresponde à única solução constitucionalmente conforme. Do referido Acórdão não se pode, portanto, extrair a ilação de que qualquer regime de prescritibilidade legal- mente consagrado para as acções relativas ao estabelecimento do vínculo de filiação se encontra ferido de incons- titucionalidade. E não é possível, sem mais, aceitar o princípio de que as considerações avançadas para sustentar a inconstitucionalidade do prazo de caducidade previsto para a acção de investigação de paternidade são também válidas para o prazo fixado no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , para a impugnação de paternidade por parte do pai presumido. O próprio Acórdão n.º 486/04 reconhece – no excerto há pouco transcrito - que, embora tanto o pretenso filho como o suposto progenitor possam invocar um direito à identidade pessoal ou ao desenvolvimento da personali- dade, a tutela da personalidade e da liberdade de acção pesa mais para o lado do filho, para quem o exercício de investigar é indispensável para determinar as suas origens, dando assim guarida à ideia de que os prazos de caduci- dade da acção de investigação de paternidade e da acção de impugnação de paternidade não têm de ser analisados necessariamente sob o mesmo prisma.
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