TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
88 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (…) Sendo a acção de impugnação de paternidade intentada pelo marido da mãe, não pode invocar-se, como obstáculo potencial à respectiva caducidade, o direito fundamental do filho ao apuramento da respectiva filiação biológica, porquanto a eventual caducidade de direito de acção pelo transcurso do prazo previsto no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , em nada afecta naturalmente a possibilidade de o filho, ulteriormente, através de quem o represente ou por iniciativa própria, no prazo de 1 ano a contar da maioridade ou emancipação, intentar a sua própria acção, não necessitando de suportar na sua esfera jurídica a preclusão derivada do “atraso” na impugnação por parte do outro sujeito legitimado (o marido da mãe). O que está, deste modo, em causa é saber se a norma que constitui objecto do presente recurso viola um direito fundamental à identidade pessoal do marido da mãe, susceptível de fundar a conclusão de que a respectiva acção poderia e deveria, por imposição constitucional, ser proposta a todo o tempo, independentemente do momento em que tal sujeito, legitimado para impugnar, teve conhecimento das circunstâncias que permitem razoavelmente duvidar da sua paternidade. Parece, todavia, que não estará aqui em causa um direito à identidade pessoal, entendida no sentido há pouco explanado de direito ao conhecimento da identidade dos progenitores (que tem apenas relevo para a acção de inves tigação de paternidade), mas o direito ao desenvolvimento da personalidade na dimensão de um direito de auto conformação da identidade, que não poderá deixar de ser reconhecido em relação ao presumido pai, quando este tenha motivos para duvidar da sua paternidade biológica e pretenda esclarecer a sua posição social e jurídica quer em relação ao filho presumido, quer em relação ao agregado familiar, quer ainda ao meio social em que se insere. Há, no entanto, inevitavelmente, uma diferença de grau entre a investigação de paternidade, em que paten temente está em causa o direito à identidade pessoal do investigante (e relativamente ao qual a imposição de um limite temporal pode implicar a violação do direito ao conhecimento da identidade dos progenitores), e a impugnação de paternidade, em que o releva é a definição do estatuto jurídico do investigante em relação a um vínculo de filiação que lhe é atribuído por presunção legal. Assim se compreende que sistemas jurídicos que admitem a investigação de paternidade sem limite, mos trando dar preferência à tutela do direito inviolável à identidade pessoal, já imponham a caducidade do direito de impugnação, aceitando assim que, decorrido o prazo fixado na lei, se consolide a paternidade presumida ainda que não corresponda à verdade biológica (notícia desta diferenciação de regimes em Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, ob. cit., p. 139; Guilherme de Oliveira, O Critério Jurídico da Paternidade , Coimbra, 1998, p. 372). Deve notar-se que o princípio da verdade biológica não tem aqui um valor absoluto. Sabe-se que as razões que justificam a fixação de um prazo de caducidade para a acção de impugnação de paternidade não são inteiramente coincidentes com as que tinham determinado a perempção da acção de investigação de paternidade, pois que para além das considerações de natureza pragmática que se prendem com a certeza e segurança jurídica e a eficácia das provas, releva ainda com particular acuidade, naquele primeiro caso, a protecção da família conjugal. É esse interesse que explica que um terceiro (pretenso progenitor) não tenha legitimidade ex novo para afastar a presunção de pater- nidade do marido da mãe e obter o reconhecimento da sua paternidade, e só possa intervir processualmente através ao Ministério Público (mediante requerimento que lhe deverá ser apresentado em prazo muito curto) e depois de previamente reconhecida a viabilidade do pedido (artigo 1841.º do Código Civil). O direito de impugnaçãoda paternidade está, assim, apenas, na disponibilidade directa dos membros da família, no sentido de que só o marido, a mãe e o filho é que se encontram autonomamente legitimados a intentar a acção. E não está, por isso, excluído que a situação de discrepância entre a paternidade presumida e a realidade biológica se mantenha sempre que não haja interesse concreto por parte dos interessados na destruição da paternidade presumida. Certo é que o legislador poderá, à semelhança de outros sistemas jurídicos, dar primazia a considerações de política legislativa fazendo prevalecer o princípio da verdade biológica sobre o eventual prejuízo para a unidade familiar, permitindo que a acção de impugnação possa ser proposta a todo o tempo. Há, no entanto, condiciona lismos objectivos que permitem distinguir entre a investigação de paternidade e a impugnação de paternidade e que podem justificar que as pretensões de constituição de vínculos novos venham a merecer um tratamento jurídi- co diferenciado em relação a pretensões que tenham a vista a destruição de vínculos pré-existentes (admitindo ex- pressamente esta possibilidade de conformação legislativa, Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, ob. cit., p. 139).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=