TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

89 ACÓRDÃO N.º 179/10 Sublinhe-se que o prazo para a propositura da acção de investigação de paternidade, cominado através da inconstitucionalizada norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, se contava a partir de um facto objectivo (a aquisição da maioridade ou emancipação do investigante), a ponto de ficar inviabilizado o exercício do direito de acção quando o interessado apenas tivesse tido conhecimento efectivo da situação que justifica o impulso proces- sual já depois de transcorrido o prazo de dois anos a contar desse momento. Poderá facilmente concluir-se, nesse contexto, que é desproporcionada e violadora do direito à identidade pessoal a norma que impede a investigação de paternidade em função de um critério de prazos objectivos, quando os fundamentos para instaurar a acção surgem pela primeira vez em momento ulterior ao termos desses prazos. Tal norma consagra, nesses termos, uma efectiva negação da possibilidade de conhecimento da paternidade. Ao contrário, o prazo definido no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , para a impugnação da paternidade por parte do pai presumido – que está agora em causa –, sendo de duração idêntica à daquele, conta-se, todavia, a partir de um facto subjectivo, que se traduz no «conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não pater- nidade». Este parece ser um prazo razoável e adequado à ponderação do interesse acerca do exercício do direito de impugnar e que permitirá avaliar todos os factores que podem condicionar a decisão. E o presumido pai não pode sequer invocar uma situação de impossibilidade de exercer o direito, já que, a partir do conhecimento pes- soal de factos que indiciem a inexistência de um vínculo real de filiação, dispõe sempre de tempo útil para afastar a presunção de paternidade. Neste contexto, não parece que a fixação de um prazo de caducidade para a impugnação de paternidade pelo pai presumido, nos termos em que se encontra previsto na referida norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , do Código Civil, represente uma intolerável restrição ao direito de desenvolvimento da personalidade entendido com o alcance de um direito de conformar livremente a sua vida, quando é certo que a preclusão do exercício do direito de impugnar pode justamente ter correspondido a uma opção que o interessado considerou ser em dado momento mais consentâneo com o seu interesse concreto e o seu condicionalismo de vida. Por tudo, não pode entender-se – contrariamente ao que se consignou no acórdão recorrido – que exista uma paridade de situação entre os prazos de caducidade dos artigos 1817.º, n.º 1, e 1842.º, n.º 1, alínea a) , do Código Civil em termos de se poder aplicar neste último caso as razões que conduziram o Tribunal Constitucional a de- clarar a inconstitucionalidade daquele outro preceito. (…)” Entendeu-se, em suma, conferir adequado relevo à diferença que existe entre a “investigação” de pater­ nidade, em que está em causa o direito à identidade pessoal do investigante (e relativamente ao qual a imposição de um limite temporal pode implicar a violação do direito ao conhecimento da identidade dos progenitores), e a “impugnação” de paternidade, em que o que importa é a definição do estatuto jurídico do impugnante em relação a um vínculo de filiação que lhe é atribuído por presunção legal. Assim, visto que o prazo do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil para a impugnação da paternidade por parte do pai presumido se conta a partir de um facto subjectivo (o «conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade»), considerou-se ser este um prazo razoável e adequado à ponderação do interesse acerca do exercício do direito de impugnar. Importa assim sublinhar, na esteira da jurisprudência já citada, a diferença de situações que ocorre entre o caso agora em presença e aquele que foi tratado Acórdão n.º 609/07: por um lado, o direito do filho a conhecer a sua filiação biológica; por outro, o direito do progenitor registado à autoconformação da iden- tidade, quando este tenha motivos para duvidar da sua paternidade biológica e pretenda esclarecer a sua posição social e jurídica em relação ao filho presumido. Por todo o exposto, aderindo à jurisprudência fixada no Acórdão n.º 589/07, já referido, considera-se que o prazo definido no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil para a impugnação da paternidade por parte do pai presumido, é um prazo razoável e adequado à ponderação do interesse acerca do exercício do direito de acção. Pelas razões expostas, deve o recurso ser julgado procedente.

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