TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
97 ACÓRDÃO N.º 181/10 Em face deste princípio, há então que decidir se a restrição do direito à liberdade, em situações como a retratada nos autos, se encontra ou não autorizada pela Constituição, já que o direito à liberdade está sujeito às regras do artigo 18.º, n. os 2 e 3, só podendo ser estabelecidas restrições para proteger outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os proteger. 6. Em Portugal, a liberdade condicional, com a designação de «liberdade preparatória» surge pela primeira vez regulada no Projecto de Código Penal de 1861, muito influenciado pela doutrina «correcciona- lista», que na modelação do seu aparelho punitivo adoptou uma postura preventiva-especial, privilegiando o objectivo da correcção ou emenda dos criminosos; no projecto de 1861, a liberdade condicional revestia a natureza de um mecanismo de funcionamento normal, que representava a regeneração dos criminosos ao nível da execução das penas (cfr. artigo 157.º, e especialmente a condição 5.ª: «Reintegração no estabeleci- mento, no caso de mau comportamento, não se lhe levando em conta n’este caso, para o cumprimento da pena, o tempo que tiver gosado da liberdade»). O Projecto de Código Penal de 1861, ainda que reformulado em 1864, nunca entrou em vigor. Todavia, a doutrina nele contida veio a integrar, com algumas alterações, o Decreto de 6 de Junho de 1893 (Decreto 1893) e o Regulamento de 16 de Novembro do mesmo ano (Regulamento 1893), que introduziram a liber- dade condicional no ordenamento nacional. O regime definido nos dois diplomas aproximava-se do padrão estabelecido à época na generalidade dos países, sendo de salientar que, nos termos do artigo 8.º do Regulamento 1893, o prazo da liberdade condicional nunca ultrapassava o período de tempo de prisão que faltava cumprir, e a aplicação do regime dependia do prévio consentimento do condenado, que aceitava a concessão da liberdade preparatória com as condições impostas. O instituto configurava-se como um incidente de execução da pena de prisão. Enquanto modo de execução da pena de prisão, a liberdade condicional encontrava-se também subor- dinada à exigência de conciliação dos vectores da prevenção geral e especial com a retribuição, pelo retorno da Nova Reforma Penal de 1884 aos princípios ético-retributivos, através da adesão expressa à chamada teoria da reparação, que ia implicada na reacentuação de um direito penal do facto, subordinado à regra da proporcionalidade com a culpa na determinação quantitativa das sanções. Este regime manter-se-ia até à Reforma Prisional de 1936 (Decreto-Lei n.º 26 643, de 28 de Maio de 1936), que estabeleceu uma profunda alteração de concepção e de regime da liberdade condicional. A liber- dade condicional, combinada com a adopção do chamado sistema progressivo ou por períodos, assumia aí a natureza de um momento normal da execução da sanção. Visava estabelecer uma fase de transição para a liberdade definitiva que, a um tempo, mediante o adequado apoio aos condenados facilitasse a sua reintegra- ção social e, por outro lado, através da imposição de condições e de uma conveniente vigilância possibilitasse a defesa da sociedade em face dos riscos de uma eventual ‘recaída’. A regulamentação partia da distinção entre uma liberdade condicional obrigatória e uma liberdade condicional facultativa, estando a obrigatória prevista para determinados tipos de condenados. A liberdade condicional, tal como prevista na Reforma de 1936, aplicável às duas espécies de reacções criminais (penas e medidas de segurança), assumia uma natureza híbrida, umas vezes com o carácter de inci- dente da execução da pena, outras vezes com a natureza de uma verdadeira medida de segurança, sobretudo nos casos – ligados, nomeadamente, à criminalidade especialmente perigosa – em que se tornava possível a aplicação do instituto da liberdade condicional depois de ter sido cumprida a totalidade da prisão a que o delinquente houvesse sido condenado. Nos seus traços fundamentais, o regime disposto pela Reforma Prisional de 1936 permaneceu em vigor até ao ano de 1972, com duas importantes modificações: uma resultante da criação dos Tribunais de Exe cução das Penas, através da Lei n.º 2000, de 16 de Maio de 1944, e do Decreto n.º 34 553, de 30 de Abril de 1945, com a total jurisdicionalização das várias fases do processamento da justiça penal e a atribuição a estes tribunais da competência para conceder, prorrogar e revogar a liberdade condicional, quando a revogação não for de direito.
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