TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

34 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL justificada pela natureza das coisas (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. , p. 846; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, p. 628; veja-se ainda Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 5.ª edição, pp. 293-294). Ora, não se vê que a condição militar possa ser encarada como uma cláusula geral de restrição dos di- reitos dos militares, em contraposição ao que estabelecem os artigos 18.º, n.º 2, e 270.º da Constituição, e que, por outro lado, o simples direito de queixa perante um órgão constitucional independente, sem poder decisório, seja suficiente para pôr em causa o estatuto jurídico-público do serviço militar e a cadeia hierár- quica de comando que está subjacente à estrutura militar. Mas, para além disso, importa reter que a restrição, a ser constitucionalmente admissível com base no critério dos limites imanentes, nunca poderia afetar o conteúdo essencial do direito (Vieira de Andrade, ob. cit. , p. 293). E vimos já que a exigência da prévia exaustão dos meios hierárquicos, imposta pelos artigos 34.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho, e 2.º, n.º 1, da Lei n.º 19/95, de 13 de julho, constitui um forte constrangimento ao uso livre do direito de queixa, e impede, na prática, o seu exercício, tanto que, em muitos casos, o que poderá estar em causa é, não o mero direito de solicitar a revogação, a modificação ou a substituição de atos administrativos praticados pelos órgãos militares em matéria de serviço ou relativa ao estatuto profissional do interessado, mas diversas outras situações que, afetando os direitos ou interesses legítimos do militar, não possam ser solucionadas no quadro legal vigente por via da intervenção do superior hierárquico. Tudo leva a concluir, por conseguinte, no sentido da inconstitucionalidade das referidas disposições legais, por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2, da Constituição. II – Discordei ainda da decisão do Tribunal no que se refere à declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo 34.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, na parte em que limita a possibilidade de apre- sentação de queixas ao Provedor de Justiça por ações ou omissões dos poderes públicos responsáveis pelas Forças Armadas de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias dos próprios militares queixosos. A limitação assim prevista, conferindo uma dimensão subjetiva ao direito de queixa dos militares, pode justificar-se por aplicação do disposto no artigo 270.º da Constituição, podendo dizer-se, agora com pro- priedade, que se trata aí de uma restrição específica decorrente do estatuto especial dos militares e que poderá retirar-se de uma interpretação teleológica do preceito constitucional. A admissibilidade de um direito de queixa objetivo, permitindo que o militar possa imputar aos órgãos de comando a violação de direitos ou interesses legítimos de terceiros – incluindo os de outros militares –, dá azo a que possa ser posta em causa, na relação externa – sem nenhuma evidente vantagem para a esfera jurídica do queixoso – , a estrutura hierarquizada de comando, direção e disciplina das Forças Armadas e favo­recer o exercício encapotado de direitos (como a petição coletiva), que, justamente, poderão estar cober- tos pelas restrições do artigo 270.º Não releva aqui o argumento – invocado no Acórdão – de que o Provedor de Justiça poderá opor-se à utilização abusiva do direito de queixa para defesa de direitos ou interesses de terceiros, através dos seus poderes de apreciação preliminar, que permitirão aferir da sua admissibilidade. O ponto é que a restrição estabelecida no segmento final do citado artigo 34.º, n.º 1, encontra justificação plausível no regime especial aplicável aos militares, com assento constitucional, o que é suficiente para excluir o juízo de inconstituciona- lidade. – Carlos Alberto Fernandes Cadilha Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , I Série, de 8 de outubro de 2012. 2 – Os Acórdãos n. os 103/87 , 662/99 e 229/12 estão publicados em Acórdãos , 9.º, 45.º e 84.º Vols., respetivamente.

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