TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
150 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL escolhas do legislador ordinário na conformação do processo civil é o da garantia do processo justo ou equi- tativo (cfr. o Acórdão n.º 413/10). É a esta luz que se têm de entender os direitos de acesso aos tribunais e a um processo equitativo consignados no artigo 20.º, n. os 1 e 4, desse normativo. Com efeito, o direito de acesso aos tribunais, enquanto fundamento do direito geral à proteção jurídica, traduz-se na possibilidade de deduzir junto de um órgão independente e imparcial com poderes decisórios uma dada pretensão (o pedido de tutela jurisdicional para um direito ou interesse legalmente protegido), pelo que implica uma série de interações entre quem pede (autor), quem é afetado pelo pedido (réu) e quem decide (juiz), a que corresponde o processo. E a disciplina deste último – o processo em sentido normativo – encontra-se submetida à exigência do processo equitativo: o procedimento de conformação normativa deve ser justo e a própria conformação deve resultar num “processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. XVI ao artigo 20.º, p. 415). Se tal exigência não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, a mesma “impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo (Acordão n.º 632/99). Um processo equitativo postula, por isso, a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas” (cfr. Rui Medeiros in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao artigo 20.º, p. 441). Acresce que, como notam os Autores das duas obras citadas, na densificação do princípio em análise desempenha um relevo especial a jurisprudência constitucional e, outrossim, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, epigrafado precisamente «Direito a um processo equitativo» (vide idem, ibidem ). Por outro lado, uma vez que os direitos em causa devem estar presentes em toda e qualquer forma de processo jurisdicional, é possível mobilizar para efeitos da aludida densificação não apenas as decisões deste Tribunal que incidiram diretamente sobre normas do processo civil, mas também aquelas que, proferidas no âmbito de processos de outra natureza, nomeadamente penal ou administrativa, “não tiveram como parâmetro – ou parâmetro exclusivo – princípios garantísticos típicos ou específicos desses processos”, como, por exemplo, o das garantias de defesa do arguido (cfr., no sentido da admissibilidade da transposição de precedentes penais para o âmbito processual civil, Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil” in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 839). Nessa linha, entendendo-se a exposição das razões de facto e de direito de uma dada pretensão, com sujeição ao contraditório da parte contrária, perante o tribunal antes que este tome a sua decisão como uma manifestação do direito de defesa dos interessados perante os tribunais, tal direito, juntamente com o princí- pio do contraditório, não pode deixar de ser visto como “uma decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão imparcial e independente. Por isso, embora só estejam [ – o direito de defesa e o princípio do contraditório – ] expressamente consagrados na Constituição no âmbito do processo penal, [os mesmos] apresentam-se como normas de alcance geral” (cfr. Rui Medeiros, ob. cit. , anot. XX ao artigo 20.º, pp. 442-443). E é, nesta perspetiva, que muitos dos princípios considerados aplicáveis aos recursos em matéria penal são generalizáveis ou transponíveis para outros domínios processuais. 10. Como o Tribunal Constitucional afirmou no seu Acórdão n.º 287/90, embora a garantia da via judiciária do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição se traduza prima facie no direito de recurso a um tribunal para obter dele uma decisão sobre a pretensão perante o mesmo deduzida, deve incluir-se ainda na mesma garantia a proteção contra atos jurisdicionais. Isto é, o direito de ação incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra atos jurisdicionais, o qual, obviamente, só pode ser exercido mediante o recurso
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