TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
198 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. Este processo só terá lugar quando o arguido, informado do direito de o recusar, com ele se conformar e dispuser a respetiva soma pecuniária imediatamente ou no prazo de 5 dias. 3. Nos casos referidos nos n. os 1 e 2 não pode o facto voltar a ser apreciado e sancionado como contraordenação. (…)» Ora, ao contrário da admoestação hoje prevista no RGCO, a advertência surgia cumulativamente com o pagamento de uma soma pecuniária e carecia da concordância do arguido. Não obstante esta mutação, há quem persista em perscrutar na admoestação semelhanças com o instituto da “dispensa de pena” (cfr. artigo 74.º do Código Penal), configurando-a como uma “advertência com dispensa de coima”, sem efeitos con- denatórios, e como uma “decisão preparatória do arquivamento”, insuscetível de impugnação judicial nos termos do n.º 2 do artigo 55.º do RGCO (cfr., neste sentido, Lacerda da Costa Pinto, “O ilícito de mera ordenação social e a erosão social do princípio da subsidiariedade da intervenção penal”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.º 7, 1997, pp. 87-93). Porém, confrontado com a questão da inimpugnabilidade judicial da admoestação, o Tribunal Cons- titucional, no Acórdão n.º 104/07, proferido em Plenário, pugnou no sentido da inconstitucionalidade do artigo 59.º, n.º 1, do RGCO, assentando o seu juízo na seguinte argumentação: «(…) “É certo que o único efeito que a lei expressamente comina para a admoestação é o efeito, favorável ao agente, de o facto não poder voltar a ser apreciado como contraordenação (n.º 2 do artigo 51.º do RGCO). Mas a decisão não deixa, por isso, de constituir o ato final do processo de contraordenação e de concluir esse processo com a afirmação de que a conduta do agente constitui um facto ilícito censurável e de tirar as respetivas consequências no exercício de um poder público sancionatório. Embora como autor de um facto de reduzida gravidade e praticado com culpa diminuta, o agente é censurado pela violação de normas a que lei faz corresponder um ilícito típico no domínio do ordenamento em causa. A autoridade administrativa não se limita a expressar o seu entendimento sobre um modo de agir; admoesta, censura, repreende o agente por ter agido ilicitamente. Deste modo, a decisão que profere uma admoestação é materialmente sancionatória ( i. e., define unilate- ralmente, no exercício do poder público de aplicação de sanções por ilícito de mera ordenação social, a situação do agente como merecedor de uma censura e advertência para que passe a agir de outro modo) e procedimentalmente definitiva (i.e, não é preparatória de qualquer outro ato no seio desse mesmo procedimento). Comporta, em si mesmo, potencialidade lesiva para a esfera jurídica do destinatário, pelo que não pode deixar de ser, em princípio, suscetível de impugnação judicial (n.º 4 do artigo 268.º da Constituição). Não se exclui que haja situações em que à lesividade abstrata da decisão de admoestação não corresponda a afetação, em concreto, de qualquer aspeto da esfera jurídica do destinatário com dignidade para abrir a via de impugnação judicial e em que, por falta de qualquer outro pressuposto processual ( v. g. , o interesse em agir), deva rejeitar-se o recurso. Mas, não é o que sucede em matéria de contas e financiamento dos partidos políticos. Este é um aspeto da atividade dos partidos sobre que incide a particular atenção da opinião pública, de modo que a afirmação de que um determinado partido político não cumpriu ou foi menos escrupuloso no cumprimento dos seus deveres nesta matéria é suscetível de afetar a sua imagem junto do eleitorado, fragilizando-o na prossecução dos seus objetivos.” (…)» Não soçobrando boas razões para afastar os argumentos esgrimidos, adere-se ao entendimento vertido neste acórdão, sublinhando, em coerência, que não falta às empresas que laboram no setor da radiodifusão interesse em agir quando lhes seja aplicada sanção de admoestação, visto que, não estando vedado o acesso do público a tais sanções, mediante a consulta das atas da CNE no respetivo sítio oficial, também tais empresas, por razões de prestígio e reputação, terão todo o interesse em demonstrar em juízo o cabal cumprimento dos preceitos inscritos nas leis eleitorais.
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