TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

25 acórdão n.º 296/13 «uma estrutura do poder político», assumindo as normas que organizam o seu poder uma «justificação ­eminentemente democrática» e fundando-se o poder autárquico numa «ideia de consideração e representa- ção aproximada de interesses». Em jurisprudência subsequente veio a sublinhar-se que as autarquias locais integram a administração autónoma, existindo entre elas e o Estado uma relação de supraordenação-infraordenação, dirigida à coorde- nação de interesses distintos (nacionais, por um lado, e locais, por outro), e não uma relação de supremacia- -subordinação dirigida à realização de um único interesse, designadamente o interesse nacional. No Acórdão n.º 379/96, teve o Tribunal Constitucional ocasião de expressar o seu entendimento sobre o enquadramento jurídico-constitucional das autarquias locais: «A Constituição da República, no seu artigo 6.º, n.º 1 – depois de caracterizar o Estado como unitário – acres- centa que ele “respeita na sua organização os princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública”. Este princípio da autonomia das autarquias locais – que as leis de revisão constitucional terão de respeitar [cfr. artigo 288.º, alínea n) ] – é, depois, desenvolvido no título VIII da Lei Fun- damental, subordinado à rubrica “poder local”. As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (cfr. artigo 237.º, n.º 2, da Constituição). Constituem, assim, verdadeira administração autónoma. E mais: são “estruturas do poder político”. É certo que é a lei que há de regular “as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos” (cfr. artigo 239.º da Constituição). Mas, ao desimcumbir-se dessa tarefa, o legis- lador não pode pôr em causa o núcleo essencial da autonomia local; tem antes que orientar-se pelo princípio da descentralização administrativa e reconhecer às autarquias locais um conjunto de atribuições próprias (e aos seus órgãos um conjunto de competências) que lhes permitam satisfazer os interesses próprios (privativos) das respetivas comunidades locais. A este propósito, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 887), depois de acentuarem que a Constituição não define as matérias de competência autárquica, acrescentam: Todavia a lei não goza de total liberdade de conformação. A garantia institucional da autonomia local estabe- lece limites e requisitos. Primeiro, a lei não pode deixar de definir às autarquias um mínimo razoável de atribuições. Depois, essas atribuições não podem ser umas quaisquer, devendo referir-se aos interesses próprios das respetivas comunidades locais […]. [Cf. também J. Batista Machado ( Participação e Descentralização. Democratização e Neutralidade da Consti- tuição de 1976, Coimbra, 1982, p. 17) e J. Casalta Nabais (“A Autonomia Local”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, II, Boletim da Faculdade de Direito, número especial, Coimbra, 1993, sp. pp. 161, 162, 171 e 175)]». 14. Importa igualmente referir que as linhas gerais que condensam o estatuto constitucional das autar- quias locais são completadas pela Carta Europeia da Autonomia Local, de 1985, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 28/90, de 23 de outubro, e ratificada pelo Decreto do Pre- sidente da República n.º 58/90, de 23 de outubro – e por isso vigente na nossa ordem jurídica por força do artigo 8.º, n.º 2, da CRP. Segundo o artigo 3.º, n.º 1, da referida Carta, o princípio da autonomia local pressupõe e exige, entre outros, o direito e a capacidade de as autarquias regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos. Por seu lado, o artigo 4.º da Carta estabelece a necessidade de as atribuições fundamentais das autarquias locais serem fixadas pela Constituição ou por lei e delas distingue os casos de delegação de poderes por uma autoridade central ou regional. Aqui chegados importa abordar o pedido de constitucionalidade formulado.

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