TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
469 acórdão n.º 404/13 -se como exemplo académico deste vício do ato administrativo, precisamente, o exercício de poderes de polícia administrativa com o propósito de obtenção de receitas públicas; assim, ver Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª reimpressão, 2003, Coimbra, p. 395). Ora, caso o recorrente tivesse logrado demonstrar, perante os tribunais recorridos, que a decisão administrativa condenatória havia sido tomada mediante violação dos deveres de imparcialidade e com o intuito de prosseguir um interesse público distinto do visado pela lei, então bastar-lhe-ia ter invocado tais fundamentos de invalidade da decisão administrativa para obstar à sua produção de efeitos. Não o fez, contudo. Além disso, a opção legislativa relativa ao destino do produto das coimas (artigo 37.º do Decreto-Lei n.º78/2004) deve ser avaliada, à luz de uma ponderação dos vários interesses (contraditórios) em presença. A Lei Fundamental não só incumbe a administração pública de acautelar os princípios da igualdade, da proporcionali- dade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), garantindo os direitos de audiência e de defesa dos arguidos em procedimentos contraordenacionais (artigo 32.º, n.º 10, da CRP), como também se encarrega de garantir o direito fundamental de todos os cidadãos “a um ambiente de vida humano, sadio e ecologi- camente equilibrado” (artigo 66.º, n.º 1, da CRP). Como tal, justifica-se que o produto de coimas suportadas por aqueles que colocam em risco ou lesam esse ambiente revertam, parcialmente, para uma entidade administrativa encarregue da prevenção e preservação dessa mesma qualidade ambiental. Tal exercício de poder sancionatório pressupõe sempre que as decisões condenatórias tomadas visem exclusi- vamente prosseguir o interesse público de manutenção de um ambiente sadio e nunca a mera obtenção de receitas próprias. Em suma, a alínea b) do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 78/2004 não padece de inconstitucionalidade por vio- lação dos princípios da imparcialidade e da justiça (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), na medida em que o benefício de uma parcela do produto das coimas pela entidade administrativa que tomou a decisão condenatória não implica, por si só, que aquela deixe de observar os deveres de imparcialidade e de justiça que lhe incumbem por força da Constituição e da lei, tanto mais que a decisão final caberá sempre, em última instância, como se disse atrás, ao poder judicial.» No caso ora em apreço, resulta evidente, quer pela falta de invocação concreta de quaisquer factos que o demonstrassem, quer pela matéria de facto dado como provada nos autos que as recorridas não se viram pri- vadas de quaisquer direitos de participação procedimental ou de defesa, no decurso da “fase administrativa” do procedimento contraordenacional. Aliás, nem sequer a decisão recorrida entendeu que tal tivesse ocor- rido, tendo antes concluído que a simples circunstância de a SCML cumular as qualidades de “concessioná- ria pública” e de entidade encarregue do “exercício de poderes sancionatórios” faria perigar a sua necessária imparcialidade para proferir decisões condenatórias, em matéria contraordenacional. De onde se conclui que não ocorreu qualquer inconstitucionalidade, por violação do n.º 10 do artigo 32.º da CRP. Note-se que este Tribunal não se encontra limitado à aferição do fundamento de inconstitucionalidade material sobre o qual se fundou a decisão recorrida, ou seja, da alegada violação do “direito a um processo equitativo” (cfr. artigo 79.º-C da LTC). Assim sendo, resta ainda verificar se a norma extraída do artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 282/2003, de 3 de novembro, em conjugação com a alínea j) do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento do Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovado, como Anexo II pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 322/91, de 26 de agosto, atenta contra o “princípio da imparcialidade” (cfr. 266.º, n.º 2, da CRP), a que qualquer pessoa jurídica encarregue do exercício da função administrativa se encontra vinculada. Crê-se que a mera reunião das qualidades jurídicas de “concessionária pública” e de entidade encarregue do “exercício de poderes sancionatórios”, por via daqueles preceitos legais, não origina, necessária e forçosa- mente, uma espécie de “presunção de parcialidade”, que recairia sobre a SCML. Na medida em que a mesma fica imbuída da qualidade de entidade encarregue do exercício da função administrativa – in casu , de tipo sancionatório –, sobre ela recaem especiais exigências de respeito pelos princípios gerais de Direito Administra- tivo, em especial, o “princípio da imparcialidade” (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP, e artigo 5.º do Código do
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