TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
487 acórdão n.º 406/13 IX. A aceitar-se a interpretação sufragada no acórdão recorrido, tal há de significar que toda a decisão desfavorável proferida por um tribunal, a que se acrescente, por cautela ou cortesia, a reserva “por ora”, “para já” ou “até ver”, passa a ser insuscetível de recurso. X. Com o triunfo de uma tal conceção, ficaria encontrado o remédio (ou o veneno) que faria desaparecer a legi- timidade de qualquer recurso: bastaria aos tribunais aditar aos seus despachos de indeferimento uma cláusula de provisoriedade ou possível revisão do decidido. XI. A interpretação da alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º do CPP, perfilhada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, viola e vulnera intoleravelmente o artigo 32.º, n.º 1, da CRP e, bem assim, o princípio da confiança e da segurança jurídicas decorrentes do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da mesma Lei Fundamental. XII. A norma jurídica cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional é a do artigo 401.º, n.º 1, alínea b) , do CPP, na interpretação restritiva do conceito de legitimidade do arguido em processo penal para recorrer, feita pelo Tribunal da Relação de Coimbra a fls. 32 a 34 do acórdão recorrido. XIII. E que redunda no segmento normativo segundo o qual “o arguido não tem legitimidade para recorrer do despacho que indefere a realização de um meio de prova por si requerido se o tribunal, no respetivo despa- cho de indeferimento, equacionar a eventualidade de, ainda no decurso da audiência de julgamento, poder reponderar parcialmente a sua decisão, mesmo que o tribunal não tenha efetuado tal reponderação e de ter até admitido, logo e sem mais, o recurso interposto contra o despacho de indeferimento”. XIV. Muito embora este Venerando Tribunal tenha já admitido o presente recurso quanto à apreciação da incons- titucionalidade da interpretação sufragada pelo Tribunal da Relação de Coimbra do artigo 401.º, n.º 1, alínea b) , do CPP, não é demais lembrar que esta interpretação da norma de legitimidade, porque é totalmente inovadora e surpreendente, nunca a ora Recorrente a invocou, em momento anterior ao da interposição deste recurso. – Da inconstitucionalidade da interpretação realizada pelo Tribunal a quo dos artigos 151.º e 340.º do CPP. XV. O Tribunal da Relação de Coimbra, ao rejeitar o recurso interposto pela Recorrente, confirmou a decisão do 2.º Juízo Criminal de Viseu que indeferiu a prova pericial requerida, em alegado detrimento de prova docu- mental e testemunhal, fazendo uma interpretação implícita, mas patente, das normas respeitantes à prova pericial, a saber, e em concreto, dos artigos 151.º e 340.º do CPP, que se reputa inconstitucional. XVI. A decisão do Tribunal da Relação de Coimbra leva implícita uma interpretação que vulnera a CRP, designa- damente, o seu artigo 32.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 5, 2.ª parte, que, em nome da radical desigualdade material de partida entre a acusação e a defesa, assegura aos arguidos todas as garantias de defesa e todos os direitos e Instrumentos necessários e adequados à salvaguarda da sua posição, em especial, o direito à organização da defesa e o princípio do contraditório. XVII. Independentemente do mérito da valoração da prova efetuada em julgamento, e que não cabe a este Vene- rando Tribunal sindicar, a verdade é que para a apreciação da conformidade constitucional da decisão de indeferimento da perícia requerida pela Recorrente, não são indiferentes as regras específicas que o CPP impõe à realização da prova pericial. XVIII.No presente processo, para apurar a prática do crime de fraude na obtenção de subsídio, suscitavam-se ques- tões de cariz eminentemente técnico-científico, relacionadas com a alegada manipulação do vinho exportado por parte dos arguidos, mormente a adição de álcool e mistura de vinho branco e outros produtos vínicos, tendo em vista o putativo aumento do teor alcoométrico e o volume do vinho. XIX. O próprio Tribunal Judicial da Comarca de Viseu entendeu que no presente processo se suscitavam questões de natureza técnica complexa, que requeriam, inclusivamente, a necessidade de o tribunal se fazer assistir por assessores técnicos (cfr. fls. 2.884 e 2.893). XX. O único meio possível e admissível de prova quanto às sobreditas operações de suposta falsificação do vinho seria, in casu , a realização de uma perícia.
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