TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
488 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XXI. Os “exames periciais”, valorados enquanto prova documental pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, foram realizados, em fase de inquérito, sem que aos arguidos fosse concedida a oportunidade de neles inter- vir, participar ou sequer acompanhar, o que se mostra intolerável à luz dos princípios constitucionais que garantem ao arguido “todos os meios de defesa” (tanto mais que as conclusões alcançadas não foram de que ao vinho foi adicionado álcool, mas antes, e apenas, que a amostra analisada era meramente compatível com etanol vínico). XXII. Para além dos referidos “exames”, como alegada prova técnico-científica, resultam dos autos, apenas e só, as afirmações, produzidas em audiência de julgamento, dos seus autores a corroborar, como não poderia deixar de ser, os respetivos resultados. XXIII. A prova pericial tem um especial valor: o juízo técnico, científico ou artístico presume-se subtraído à livre apreciação do Tribunal e se a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos tem aquele um dever acrescido de fundamentar a divergência (cfr. artigo 163.º do CPP). XXIV. O Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, ao rejeitar a perícia requerida pela Recorrente por considerar que “tais questões podem ser esclarecidas quer com a prova documental junta aos autos, quer com os peritos já indicados em audiência de julgamento ou com as testemunhas e técnicos indicados quer pela acusação quer pela defesa”, entendeu socorrer-se da livre apreciação da prova e da sua, mesmo que respeitosa, impreparada perceção, numa interpretação das regras reguladoras da perícia plasmadas nos artigos 151.º e seguintes do CPP e, bem assim, no artigo 340.º, n.º 1, do CPP, violadora das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. XXV. Ao indeferir a perícia requerida pela Recorrente, quando estavam em apreciação questões de cariz eminen- temente técnico cuja complexidade o próprio Tribunal reconheceu, o Tribunal Judicial de Viseu fez uma interpretação do artigo 151.º do CPP e, bem assim, do artigo 340, n.º 1, do CPP, inconstitucional, por coartar à Recorrente o uso pleno dos meios de prova necessários à descoberta da verdade material que a lei processual penal lhe confere, em violação do princípio do contraditório imposto, relativamente à audiência de julgamento em processo penal, pelo n.º 5 do artigo 32.º da CRP. XXVI. A interpretação normativa sufragada pela Tribunal a quo a propósito desta questão viola, ainda, o direito ao processo equitativo, acolhido no n.º 4 do artigo 20.º da CRP, entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais de justiça nos vários momentos processuais. XXVII. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em torno do artigo 6.º da CEDH, que con- sagrou expressamente o direito ao processo equitativo, fornece um contributo relevante para a densificação deste direito, o qual deverá ser entendido como o direito à conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efetiva, sendo o artigo 32.º da CRP uma densificação do processo justo ou equitativo, em sede de processo penal. XXVIII. Tais garantias de defesa e igualdade de armas e, em particular, o direito à organização da defesa e o princípio do contraditório, todos de bitola constitucional, constituem o padrão de controlo daquela interpretação judicial que se funda na solução normativa segundo a qual “quando o Tribunal reconheça que a perceção e a apreciação dos factos exigem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, pode, ainda assim, recusar a realiza- ção de prova pericial requerida pelo arguido e tomar em consideração, para a formação da sua convicção, apenas a prova documental – exames realizados na fase de inquérito sem a intervenção, a participação ou o acompanha- mento por parte dos arguidos – e a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento”. XXIX. O que é tanto mais decisivo e grave quando a dita prova documental e testemunhal (não procede de peritos ou espertos independentes, mas) consubstancia o próprio acervo probatório empregado pela acusação para carregar os arguidos a juízo, e que, em última análise, agrilhoa e fere a própria ideia de processo e julgamento e firma a de uma dupla acusação. XXX. A desconformidade constitucional de uma tal interpretação foi suscitada pela Requerente quando do recurso, interposto junto do Tribunal da Relação de Coimbra, do despacho interlocutório do 2.º Juízo Criminal de Viseu, de fls. 2.839, que recusou a perícia requerida pelos arguidos.
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