TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
490 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interpretação/aplicação dos artigos 39.º, n.º 1, alínea c) e 40.º do CPP e dos n. os 1 e 2 do artigo 649.º do CPC que atenta de forma grosseira contra os princípios básicos do Estado de direito, das garantias de defesa e dos ditames de um processo equitativo, plasmados nos artigos 2.º e 32.º, n. os 1 e 5, da CRP e no artigo 6.º, n.º 1, da CEDH. 7. A Recorrente "D." suscitou a questão da inconstitucionalidade aduzida, designadamente, nas conclusões 3 a 7 e 9 a 13 das suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra e os demais Recorrentes no ponto 26 do requerimento em que arguiram a nulidade do Acórdão recorrido de 29 de junho de 2011, confirmado pelo acórdão de 30 de maio de 2012. 8. Como fundamentos do incidente suscitado pela Recorrente, foi alegado que ambos os inspetores pertenciam aos quadros da ASAE (que, como é sabido, é um órgão de polícia criminal), haviam participado em ações de fisca- lização visando a Recorrente e, bem assim, pelo menos em relação à Sra. Dra. F., havia tido intervenção direta nos procedimentos de análise do vinho cuja adulteração é discutida nos autos. 9. Aos assessores podem ser opostos os impedimentos e recusas que é possível opor aos peritos em processo civil (cfr. n.º 2 do artigo 649.º do CPC). 10. Nos termos do n.º 1 do artigo 47.º do CPP são aplicáveis aos peritos os impedimentos previstos no artigo 39.º do CPP, o qual, nas alíneas c) e d) do n.º 1, estabelece que "Nenhum Juiz pode exercer a sua função num processo penal quando tiver intervindo no processo como (...) órgão de polícia criminal; quando, no processo, tiver sido ouvido ou dever sê-lo como testemunha." 11. O impedimento consistirá sempre um vício objetivo e de ordem pública, arguível por um sujeito processual ou de conhecimento oficioso, cuja verificação implica a nulidade do ato praticado pelo impedido. 12. Sendo o assessor o auxiliar do verdadeiro agente, que é o juiz, prestando a estes esclarecimentos (pareceres técnicos), o mínimo que lhe será exigível, para lá da capacidade técnica, é a imparcialidade, característica que um órgão de polícia criminal, por natureza, não reúne, para mais quando tenha tido intervenção direta nos factos em discussão e que consubstanciam a acusação. 13. O que, naturalmente, põe em causa o direito do arguido a um processo justo e equitativo, previsto, desig- nadamente, no artigo 32.º, n.º 1, da CRP. 14. Além de atentar contra o direito fundamental e inalienável a um Tribunal imparcial, inscrito no artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, como um dos elementos centrais da noção de processo equitativo. 15. A circunstância do prévio envolvimento do assessor no processo, seja como testemunha, seja como autuante, seja como perito, é, ainda, violadora do princípio acusatório, constante do artigo 32.º, n.º 5, da CRP. 16. Aceitar que um órgão de polícia criminal pode, no âmbito do processo penal, desempenhar a função de assessor técnico do tribunal, quando ainda para mais já havia tido intervenção anterior na concreta questão em discussão e interesse direto na mesma, traduz-se, em rigor, em aceitar que o tribunal, enquanto órgão julgador, seja assessorado nessa sua função por quem teve já no processo intervenção enquanto "órgão acusador". 17. O Acórdão recorrido sufraga, por conseguinte, ainda que de forma implícita, uma interpretação dos artigos 39.º, n.º 1, alíneas c) e d) , e 40.º do CPP e dos n. os 1 e 2 do artigo 649.º do CPC, que resulta no segmento norma- tivo segundo o qual o membro de um órgão de policia criminal pode, no âmbito do processo penal, desempenhar a função de assessor técnico do tribunal, ainda que tenha tido intervenção anterior na concreta questão em discussão e interesse direto na mesma. 18. Tal atenta, todavia, de forma que se crê ser grosseira, contra os princípios básicos do Estado de direito, das garantias de defesa e dos ditames de um processo justo e equitativo, plasmados nos artigos 2.º e 32.º, n. os 1 e 5 da CRP e no artigo 6.º n.º 1 da CEDH. ii. Da inconstitucionalidade das normas dos artigos 151.º, 152.º, n.º 1, e 153.º, n.º 2, do CPP, na aplicação/inter- pretação que delas é feita pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de junho de 2011, na parte que confirma a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Viseu (pp. 239 e seguintes do Acórdão) e reiterada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de maio de 2012 (pp. 4 e 5) 19. A consideração da prova pericial produzida em sede de Inquérito como prova documental – dado que as perícias haviam sido realizadas ao arrepio das normas constantes dos artigos 151.º e seguintes do CPP – , conjugada
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