TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
491 acórdão n.º 406/13 com o indeferimento da realização da perícia colegial requerida pelos Recorrentes – objeto de recurso autónomo – , impediu o cabal exercício do direito ao contraditório e traduziu-se numa desigualdade gritante de armas entre a Acusação e a Defesa. 20. Os Recorrentes alegaram, com efeito, profusamente, nas suas alegações de recurso para a Relação de Coim- bra, que o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, não obstante ter formalmente desconsiderado os relatórios jun- tos aos autos como prova pericial, na valoração dos mesmos e, bem assim, dos depoimentos dos seus autores (tam- bém eles desconsiderados como peritos), assumiu-os como se verdadeiros juízos técnico-científicos se tratassem. 21. Nos presentes autos, não existiu, do ponto de vista formal, qualquer perícia (nos termos dos artigos 151.º e seguintes do CPP) relativamente às questões centrais que cumpria conhecer e que revestiam cariz eminentemente técnico e científico. 22. Foi o próprio Tribunal Judicial da Comarca de Viseu que entendeu que a matéria de facto em que se con- substanciava a acusação suscitava dificuldades de natureza técnica e científica, conforme resulta claro da motivação da decisão recorrida, tendo, inclusivamente, sentido necessidade de designar assessores técnicos para o coadjuvar no julgamento da causa, ao abrigo do artigo 649.º, n.º 1, do CPC (cfr. fls. 2.884 e 2.893). 23. O juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, numa questão exclusivamente técnico-científica, fun- dou-se, todavia, em critérios próprios da livre apreciação da prova (testemunhal e documental). 24. A realização de uma perícia, tendo em conta o estatuto conferido ao perito, sujeito a compromisso de honra, com a possibilidade de escusa e recusa (153.º n.º 2 do CPP), aliado à qualificação técnico-científica que lhe é exigida (artigo 152.º n.º 1 do CPP), permite garantir a possibilidade de ser obtido um juízo técnico rigoroso, independente e imparcial, alcançado de forma equidistante da Defesa e da Acusação. 25. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de junho de 2011, reiterado pelo Acórdão do Tri- bunal da Relação de Coimbra de 30 de maio de 2012, ao julgar improcedente a argumentação dos recorrentes no que concerne a esta magna questão, atentou, também ele, de forma direta, contra o princípio do contraditório e da igualdade de armas entre a Defesa e a Acusação. 26. Mas não só: ao fazê-lo sufragou, implicitamente, uma Interpretação dos artigos 151.º, 152.º, n.º 1, e 153.º, n.º 2, e bem assim do artigo 340.º, n.º 1, todos do CPP, contrária à Constituição, vulnerando, designadamente, o seu artigo 32.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 5, 2.a parte. 27. A interpretação normativa sufragada pelo Tribunal viola, ainda, o direito ao processo equitativo, acolhido no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e no artigo 6.º da CEDH. 28. A interpretação desenvolvida pelo Tribunal da Relação de Coimbra a fls. 239 a 263 do Acórdão de 29 de junho resulta, deste modo, num segmento normativo segundo o qual “a realização de perícia na fase de inquérito em desconformidade com os artigos 151.º, 152.º, n.º 1, e 153.º, n.º 2, do CPP permite, sob ponto de vista formal, que o tribunal, no juízo a empreender quanto à matéria de facto a julgar, valore os relatórios periciais assim pro- duzidos como simples prova documental e os depoimentos dos seus autores como meras testemunhas, atribuindo, todavia, a um e a outro meio de prova, o caráter técnico-científico que só a prova pericial permite”. 29. As normas dos artigos 151.º, 152.º, n.º 1, e 153.º, n.º 2, do CPP e, bem assim, do artigo 340.º, n.º 1, tam- bém do CPP, na aplicação/interpretação implícita que delas fez o Tribunal da Relação de Coimbra, violam, assim, ostensivamente as garantias de defesa e o direito a um processo equitativo, bem corno o princípio in dubio pro reo , consagrados nos artigos 2.º, 20.º, n.º 4 e 32.º, n. os 1, 2 e 5, 2.a parte, da CRP e no artigo 6.º, n.º 1, da CEDH. 30. Os Recorrentes suscitaram a concreta questão da inconstitucionalidade aqui aduzida, designadamente, a páginas 8, 54, 61, 62, 78 a 84, 152, 153, 165, 169, 178, 186, 195 a 210, 230, 234, 279 a 280 e 300 das alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, nas conclusões II, XIII, XV, XLV, XLVI, XLVII, LVII, LVIII, LIX, LXXI, LXXIII, LXXIV, LXXV, LXXVIII, LXXIX, LXXX, LXXXII, XCVII, XCVIII, XCX, CVII, CXXVIII e ainda no requerimento em que arguiram a nulidade do Acórdão de 29 de junho de 2011 (pontos 61 a 63). 31. Por último, a respeito do “segmento normativo” que foi aplicado pelo Acórdão recorrido, importa ainda destacar que o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu não identificou expressamente os preceitos legais em que estribou a sua decisão, sendo que o mesmo sucede com a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que, ao rejei- tar o recurso interposto pelos Recorrentes, confirmou a decisão do tribunal de primeira instância.
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