TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
512 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Porém, essa linha argumentativa, ainda tributária da visão que encontra no não conhecimento de ques- tão de conhecimento oficiosa aplicação de critério normativo oposto ao que os recorrentes têm como ajus- tado – que já vimos incorreta – encerra confusão entre o que constitui o plano da questão de constituciona- lidade e o plano, distinto, da melhor interpretação do direito infraconstitucional, incluindo do Direito da União Europeia. Com efeito, quando se articula a ausência de colocação do problema do reenvio prejudicial no âmbito do recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Coimbra não se cuida de apreciar os poderes de cognição do tribunal ad quem nesse domínio e muito menos de negar a condição de questão oficiosamente cognoscível relativamente a qualquer tribunal que seja chamado a interpretar atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. É que, não sendo essa interpretação e aplicação, em si mesma, uma questão consti- tucional, mas sim de aplicação de direito vigente no ordenamento nacional, por força da cláusula geral de receção plena constante do artigo 8.º, n. os 1 e 4, da Constituição, a norma de Direito da União Europeia ou a interpretação normativa extraída de preceito constante de ato da União que se pretenda desconforme com a Constituição carece, nos mesmos termos do direito interno, de ser suscitada perante o tribunal recorrido para assegurar a legitimidade do recorrente em sede de recurso para o Tribunal Constitucional, como exigido pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC. Assim sendo, não se encontra na posição dos recorrentes situação que permita afirmar a inexigibilidade de suscitação prévia de questão de constitucionalidade em situação de recusa de formulação de questão pre- judicial para o TJUE, por efeito de interpretação extraída do parágrafo 3.º do artigo 267.º do TFUE. Diferentemente da visão dos recorrentes, que têm esse impulso como certo e necessário para Tribunal cha- mado a decidir de questão penal em que estejam imbricadas normas de Direito da União Europeia, nos termos em que o foi o Tribunal da Relação de Coimbra, a jurisprudência do TJUE e a doutrina acolhem exceções ao dever decorrente do parágrafo 3.º do artigo 267.º do TFUE, que não podem deixar de ser equacionadas. Cons- titui entendimento uniforme que o instituto não comporta automaticidade e que mesmo o juiz do Tribunal de última instância (condição que o os recorrentes atribuem aoTribunal da Relação de Coimbra emmatéria penal) deve, oficiosamente, proceder ao reenvio prejudicial tão somente quando se mostre objetivamente pertinente para a resolução da causa em julgamento. Pertinência objetiva essa avaliada, e fundamentada minimamente, em função: da aplicação de norma de Tratado institutivo ou de norma de Direito derivado, com sentido interpre- tativo que releve para a questão principal; da verificação pelo juiz de dúvidas razoáveis e sérias, sem que possa socorrer-se de jurisprudência consolidada, precedentes interpretativos ou casos análogos; ou da presença de dúvidas sobre a validade de norma de Direito da União Europeia derivado aplicável ao caso em questão (cfr. Fausto Quadros e Ana Maria Guerra Martins, Contencioso da União Europeia, 2.ª edição, 2007, pp. 91 a 93 e Blanco de Morais, Justiça Constitucional, II, 2011, pp. 675 e 676). Perante essa jurisprudência, inscrita no que os recorrentes designam por “problemática do reenvio”, não existe razão para dispensar os recorrentes da obrigação de suscitação prévia da questão de constitucionali- dade, o que constitui requisito da sua legitimidade (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Face ao exposto, além de não respeitar a norma ou interpretação normativa efetivamente aplicada na deci- são recorrida, falece igualmente aos recorrentes legitimidade para suscitar as questões colocadas à apreciação do Tribunal Constitucional, fundadas em interpretação do preceituado no artigo 267.º, parágrafo 3.º, do TFUE. 33. Acrescente-se, mesmo que se aceitasse como decisão recorrida o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 30 de maio de 2012, ou a relação de complementaridade substantiva ou de integra- ção entre os dois arestos propugnada pelos recorrentes – o que não acontece, como se disse – ainda assim o impulso desencadeado não poderia ser conhecido por este Tribunal. Na verdade, o Tribunal da Relação afastou a presença de nulidade do acórdão que julgou improcedentes os recursos, em virtude de considerar que não estava vinculado a conhecer da questão de reenvio porquanto não lhe havia sido colocada como questão prejudicial previamente ao acórdão em que decidira do mérito do recurso e também – como segundo fundamento – porque considerou que não revestia a qualidade de
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