TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

100 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de forma diversa situações – despejo de habitação – que se mostrariam iguais, independentemente de ele ocorrer no âmbito de um contrato de arrendamento rural ou urbano, elemento este que seria, para aquele, de relevância mínima e não justificador de tratamento diferenciado, pelo que a dimensão do princípio da igualdade que entende ter sido lesada é a da proibição do arbítrio. Nesta dimensão, o princípio da igualdade, como se pode ler no Acórdão n.º 409/99 (publicado no Diário da República , II Série, de 10 de março de 1999): «(…) impõe[-se] que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricio- nariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princí- pio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os Acórdãos n. os 186/90, 187/90, 188/90, 1186/96 e 353/98, publicados in Diário da República , respetivamente, de 12 de setembro de 1990, 12 de fevereiro de 1997, e o último, ainda inédito. (…)». Importa, assim, verificar se no caso sub judice ocorre total ausência de justificação – inexistência de razões relevantes – para um tal tratamento legislativo diferenciado, ou, pelo contrário, elas existem. A reso- lução da questão passa, portanto, por apurar se a norma sub specie constitutionis pode ser considerada como violadora do princípio da igualdade, na dimensão considerada pelo recorrente, o que implica, desde logo, a análise das realidades materiais subjacentes aos dois regimes jurídicos (arrendamentos rural e urbano) invo- cados por este. 9. Pretende o recorrente que o regime jurídico do incidente de diferimento de desocupação de imóvel arrendado para habitação é aplicável independentemente de a ocupação ter na sua origem um contrato de arrendamento rural, como acontece no caso em análise, ou um contrato de arrendamento urbano, por- quanto, a entender-se que a aplicação de tal regime é de excluir no caso de ela ter origem e subsistir no âmbito de um contrato de arrendamento rural, estaríamos necessariamente perante um diferenciado trata- mento legislativo sem qualquer justificação válida e, consequentemente, violador do princípio da igualdade – artigo 13.º, n.º 1, da CRP – por ferido de arbitrariedade. Não assiste, porém, razão ao recorrente, porquanto as realidades materiais em causa, ou seja, subjacentes ao arrendamento rural e ao arrendamento urbano, não são de tal forma iguais que impliquem, por si só, um tratamento legislativo igual, pressuposto esse necessário, desde logo, à verificação de uma possível violação do princípio da igualdade, igualdade que, considerando-se ‘relativa’, «(…) só pode, (…), determinar-se em função de certo critério e este, por sua vez, encontra-se necessariamente relacionado com o fim a atingir com a qualificação das situações concretas como iguais. Por outras palavras, a igualdade relativa de situações ou objetos só adquire sentido, enquanto tal, se estiver prefixada a um objetivo, e uma relação entre tal objetivo a atingir com o estabelecimento da igualdade e as próprias situações consideradas iguais à luz desse objetivo, é feita através de um critério. (…)» (Maria Glória Garcia, in Estudos sobre o Princípio da Igualdade , p. 51). Ora, não pode afirmar-se que o despejo de habitação no âmbito de um ‘contrato de arrendamento de imóvel para habitação (arrendamento urbano)’ redunde numa situação igual à de despejo de imóvel urbano ocu- pado pelo arrendatário rural e para sua habitação, a que este acedeu por força de ‘contrato de arrendamento rural’, porquanto, como se haverá de conceder, não estamos perante realidades jurídico-materiais iguais, o que resulta à evidência do objeto e finalidade de cada um dos contratos – urbano e rural –, ainda que na sua génese encontremos o uso e fruição de um direito de propriedade (sobre imóvel) pelo seu proprietário relativamente a terceiro (dando-o de arrendamento) e a possibilidade de o legislador conformar o conteúdo de tal uso e fruição face à sua reconhecida dimensão social, sem que, contudo, o possa desfigurar enquanto

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