TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL subjetivo a que o Estado e terceiros se abstenham de prejudicar o bem jurídico “saúde” – (neste sentido, ver Jorge Pereira da Silva, in Dever de Legislar e Proteção Jurisdicional contra Omissões Legislativas , 2003, Lisboa, p. 40; Dona- tella Morana, in La Salute nella Costituzione Italiana – Profili Sistematici , 2002, Milano, em especial, pp. 36 a 61; Carla Amado Gomes, in Defesa da Saúde vs. Liberdade Individual , 1999, Lisboa, pp. 10 e 11; J. M. Sérvulo Correia, “Introdução ao Direito da Saúde”, in Direito da Saúde e Bioética , 1991, Lisboa, p. 48). Essa vertente negativa do direito à proteção da saúde está bem patente quando este direito se interliga ou conexiona com outros princípios e direitos fundamentais, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à vida e o direito à integridade pessoal (neste sentido, Rui Medeiros, in Jorge Miranda / Rui Medeiros in Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, cit., pp. 653). Também Gomes Canotilho e Vital Moreira traçam uma distinção entre a dimensão negativa e a dimensão positiva do direito fundamental à saúde, em anotação ao artigo 64.º da Constituição: “I. Tal como muitos outros «direitos económicos, sociais e culturais», também o direito à proteção da saúde comporta duas vertentes: uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer ato que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas. No primeiro caso, está-se no domínio dos direitos de defesa tradicionais, compartilhando das correspondentes características e regime jurídico; no segundo caso, trata-se de um direito social propriamente dito, revestindo a correspondente configuração constitucional.” (in Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, Volume I, Coim- bra, 2007, p. 825). (…)». Porém, tal norma constitucional não é convocável, enquanto parâmetro, à análise e resolução da ques- tão de constitucionalidade suscitada em torno da norma impugnada (não aplicabilidade no caso de arrenda- mento rural), vista aquela na sua vertente negativa, porquanto esta não coenvolve qualquer direito à proteção da saúde, apesar do referido na alínea c) do seu n.º 2 (deficiência já consolidada), mas visa tão só garantir o direito ao acesso à habitação, ainda que só durante mais algum tempo. Aliás, bem diversa seria a questão se nos encontrássemos perante a suspensão de execução de despejo (artigo 930.º-B, n. os 3 e 4, do código de Processo Civil, anterior redação), por razões de saúde, caso este em que, designadamente por razões humanitárias, se imporia a suspensão da execução. No que importa ao direito à habitação, dir-se-á que a Constituição o consagra no seu artigo 65.º, como o Tribunal já o deixou expresso, entre outros, no Acórdão n.º 131/92: «(…) O “direito à habitação”, ou seja, o direito a ter uma morada condigna, como direito fundamental de natureza social, situado no Capítulo II (direitos e deveres sociais) do Título III (direitos e deveres económicos, sociais e culturais) da Constituição, é um direito a prestações. Ele implica determinadas ações ou prestações do Estado, as quais, como já foi salientado, são indicadas nos n. os 2 a 4 do artigo 65.º da Constituição (cfr. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, pp. 680-682). Está-se perante um direito cujo conteúdo não pode ser determinado ao nível das opções constitucionais, antes pressupõe uma tarefa de concreti- zação e de mediação do legislador ordinário, e cuja efetividade está dependente da chamada “reserva do possível” (Vorbehalt des Möglichen) , em termos políticos, económicos e sociais [cfr. J. J. Gomes Canotilho, in Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, Coimbra Editora, 1982, p. 365, e Tomemos a Sério os Direitos Eco- nómicos, Sociais e Culturais , Separata do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia – 1984, Coimbra, 1989, p. 26; J. C. Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 (Reimpressão), Coimbra, Almedina, 1987, p. 199 segs., 343 segs.].

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