TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

111 acórdão n.º 582/14 que se mostre apta a assegurar às pessoas uma proteção suficiente (sobre este ponto, vejam-se os Acórdãos n. os  467/91, 98/04 e 53/09). Ora, no contexto desta necessária densificação, é perfeitamente razoável que o estado de “insuficiência de meios económicos” seja avaliado e certificado – através de critérios e procedi- mentos que o legislador definirá – tendo em conta a situação patrimonial do requerente [do benefício do apoio judiciário] na fase preparatória ou inicial do processo judicial; como parece igualmente razoável que essa avaliação inicial venha a ser revista, e o benefício de apoio judiciário eventualmente cancelado, caso se verifique que, no decurso do processo e por factos supervenientes de origem vária, o património do reque- rente registou melhorias tais que tornaram dispensável o benefício inicialmente concedido. É esta a solução que decorre da redação literal do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) , da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, segundo a qual – recorde-se – a proteção jurídica é cancelada, “quer na sua totalidade quer relativamente a alguma das suas modalidades” se o requerente ou o respetivo agregado familiar adquirirem meios suficientes para poder dispensá-la. Nenhuma razão há para considerá-la contrária ao disposto no n.º 1 do artigo 20.º da CRP. 7. Porém, e como já se viu, é particular a dimensão que a norma adquiriu no caso concreto, por força da interpretação que dela fez o tribunal a quo. O recorrente nos presentes autos litigou como benefício de apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento das custas e outros encargos com o processo. Fê-lo em consequência da avaliação do seu patri- mónio a que, nos termos da lei, procederam os serviços competentes; mas fê-lo também com o intuito de obter por via judicial uma indemnização por danos não patrimoniais que certa ação de outrem lhe havia cau- sado, tendo o tribunal – no âmbito do mesmo processo em que o recorrente beneficiara de apoio judiciário – reconhecido a sua pretensão. Interpretando o preceito legal cujo teor há pouco se transcreveu, entendeu a decisão recorrida que o recebimento da indemnização consubstanciava ela própria uma forma de “aquisição” de “meios suficientes para poder dispensar a [proteção jurídica]”. Em consequência deste entendimento, os serviços competentes procederam ao cancelamento do benefício de apoio judiciário de que inicialmente gozara o recorrente. 8. Semelhante interpretação – há que notá-lo desde já – não era admissível à luz de lei anterior. Na verdade, o artigo 54.º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro, dispunha do seguinte modo: «[…] Artigo 54.º 1 – Caso se verifique que o requerente do apoio judiciário possuía à data do pedido ou que adquiriu no decurso da causa ou após esta finda meios suficientes para pagar honorários, despesas, custas, imposto, emolumentos, taxas e quaisquer outros encargos de cujo pagamento haja sido dispensado, é instaurada ação para cobrança das respe- tivas importâncias […] 5 – O disposto nos números anteriores não é aplicável quando em virtude da causa venha a ser fixada ao reque- rente indemnização para o ressarcir de danos causados. […]» Tendo, porém, a Lei n.º 30-E/2000 sido revogada pela Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e não resul- tando do redação do seu artigo 10.º, atrás transcrito, que a fixação judicial de indemnização para o ressarci- mento de danos causados não deva ser considerada como “incremento patrimonial” para efeitos de cessação do benefício de apoio judiciário, resta saber se a exclusão da mesma, para tais efeitos, não será imposta pela própria Constituição, ficando portanto vedada, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 20.º da CRP, a interpre- tação feita pelo tribunal a quo no presente caso.

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