TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. Não parece, porém, que o princípio constitucional possa ser interpretado de forma a dele se retirar semelhante proibição. O que a Constituição seguramente proíbe é que a qualquer pessoa seja negada a obtenção de uma deci- são justa, num processo equitativo, por motivos de insuficiência económica; mas a proteção constitucional é conferida ao direito a obter uma decisão justa e equitativa para a tutela de qualquer posição jurídica subje- tiva (fixada a nível constitucional ou infraconstitucional) de que a pessoa seja titular. O âmbito da garantia constitucional, assim delimitado, não varia de acordo com a particular natureza da concreta posição jurídica subjetiva que em cada caso se queira fazer valer em juízo. Deste modo, o facto de, no presente processo, estar em causa a titularidade do direito à reparação de danos não patrimoniais causados por ação lesiva de outrem não imprime à situação dos autos uma singularidade tal que obrigue a uma interpretação diversa – e por- ventura mais ampla – do que seja a proibição constitucional da negação do acesso à justiça por insuficiência de meios económicos. É certo que o princípio nemine laederem, que fundamenta o instituto da responsa- bilidade civil, já foi tido pelo Tribunal como um princípio constitucional não escrito, do qual o artigo 22.º é uma particular refração (Acórdão n.º 25/10: “[o] princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, tem ínsito um princípio jurídico fundamental, historicamente objetivado e claramente enraizado na consciência jurídica geral, segundo o qual todo e qualquer autor de ato ilícito gerador de danos para terceiros se constitui na obrigação de ressarcir o prejuízo que causou”). Contudo, nem este último dado, expressivo da particular dimensão constitucional de que se reveste a situação dos autos, justifica que se altere a interpretação constante que se tem feito da garantia contida no n.º 1 do artigo 20.º da CRP, de modo a ampliar, em função da “norma do caso”, o seu âmbito de proteção. Na verdade – há que recordá-lo – o recorrente litigou com benefício de apoio judiciário na modalidade de isenção de pagamento de custas e outros encargos no processo. Com fundamento em insuficiência eco- nómica, foi-lhe concedida a possibilidade de instaurar e prosseguir um processo judicial, sem a obrigação de pagar as custas a ele associadas, obtendo por essa forma uma decisão judicial que obrigou a contraparte ao pagamento de uma indemnização. Recebida pelo recorrente a indemnização, no efetivo exercício de um direito, não está constitucional- mente vedado ao legislador reapreciar a sua situação patrimonial para efeitos de cancelamento ou manuten- ção do benefício do apoio judiciário. Aliás, qualquer pessoa que haja litigado sem tal benefício e recebido idêntica indemnização (para mais, fungível, por cumprida em dinheiro), verá o seu património diminuído no mesmo exato montante das custas (e demais encargos) do processo. Ou seja, quando não se encontrem numa situação de insuficiência económica (no quadro dos critérios legais que definem o que deve entender- -se por tal insuficiência), os demais titulares de um direito à indemnização serão obrigados a pagar os custos do processo judicial que lhes sejam imputáveis, com a consequente diminuição do respetivo património. A “discriminação positiva” que a lei confere a quem não tenha meios económicos suficientes para supor- tar os encargos com a lide judicial – discriminação esta exigida pelo princípio constitucional da tutela juris- dicional efetiva – visa garantir que todos possam acorrer aos tribunais para defesa dos seus direitos. Mas do mesmo princípio não decorre que tal discriminação se prolongue para além da decisão final que julgue definitivamente do direito de que se é titular e em função da particular natureza que este último assume. Ao legislador será lícito excluir (como já o fez) que o recebimento de uma indemnização por danos, decidido no próprio processo em que foi concedido ao requerente benefício de apoio judiciário, possa ser tido como “incremento patrimonial” para efeitos da alteração da situação de benefício. Contudo, não sendo esta solu- ção constitucionalmente imposta, nenhum motivo existe para que se censure a interpretação feita, in casu , da norma contida no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) , da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=