TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

129 acórdão n.º 586/14 Sublinhe-se, contudo, que, na presente hipótese, o que se questiona não é o fundamento da diferencia- ção, mas antes o fundamento da solução legislativa de indiferenciação, quando dela resulte uma pensão de sobrevivência superior à pensão de alimentos. Como explica Maria Lúcia Amaral, «em determinados casos concretos, a manifesta não-razão do legisla- dor pode decorrer não do estabelecimento de diferenças mas da sua ausência. É evidente que o “tratamento igual do que é igual” pressupõe o “tratamento desigual do que é desigual”: se, face à Sachgerechtigkeit que emana do caso, só a diferenciação se mostrar adequada, razoável e objetiva – e se a opção do legislador for, pelo contrário, a indiferenciação – a lei será inconstitucional por não ter cumprido uma distinção devida» (Maria Lúcia Amaral, “O princípio da igualdade na Constituição Portuguesa”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Armando Marques Guedes, Coimbra Editora, 2004, p. 54). 7. O reconhecimento do direito a alimentos está ligado à verificação de uma situação de necessidade, ou seja, a uma situação em que o respetivo credor não dispõe nem de rendimentos nem de património para garantir a sua subsistência (cfr. artigos 2003.º, 2004.º, 2009.º e 2012.º do Código Civil). A regra da repartição igualitária da pensão de sobrevivência possibilita que o ex-cônjuge passe a dispor de uma pensão de sobrevivência de montante superior à pensão de alimentos antes auferida e, por conseguinte, superior à medida da necessidade ab initio fixada. O inverso também é possível, ou seja, pode o dever de alimentos ter atingindo um quantum que a pensão de sobrevivência não seja suscetível de comportar (cfr. Maria João Vaz Tomé, ob. cit. , pp. 73 e segs.). No direito comparado, o tratamento do cônjuge divorciado em matéria de pensão conhece diferentes conformações legislativas. Sem surpresa, pressente-se nessa modelação alguma influência do modelo de segu- rança social adotado – de repartição ou de capitalização – sem que, porém, esse fator trace, em absoluto, o teor das soluções adotadas [cfr. João Carlos Loureiro, Constituição (...), p. 230]. Entre soluções mais “ali- mentares” ou mais “contributivas”, denota-se a tendência nos vários modelos de fazer depender o montante da pensão de sobrevivência do divorciado do contributo que este possa ter dado para a respetiva formação. Destacam-se, assim, soluções como a alemã, que não reconhece o direito à pensão de sobrevivência do divorciado, mesmo este auferindo uma pensão de alimentos, e que assenta exclusivamente num mecanismo de transferência de contribuições (Versorgungsausgleich), o qual passa pela repartição da pensão de reforma constituída durante a vigência do matrimónio e de que o ex-cônjuge beneficia mesmo que venha a contrair novo matrimónio. Realce, ainda, para os modelos francês e espanhol, que, em caso de pluralidade de beneficiários – cônju- ges e ex-cônjuges – tentam adequar o montante da pensão de viuvez à duração do casamento. Ambos revelam semelhanças com o caso português: o primeiro porque condiciona a atribuição da pensão de sobrevivência à verificação de uma situação de carência real – leia-se, não presumida – do cônjuge divorciado; o segundo porque nele o acesso, pelo ex-cônjuge, à pensão de sobrevivência só existe quando aquele seja credor de uma pensão compensatória atribuída com o fim do matrimónio (a qual, porém, não se confunde com a pensão de alimentos), sendo certo que, em qualquer caso, o montante da pensão de sobrevivência não pode exceder o montante daquela pensão compensatória (cfr., sobre o tema, Maria João Vaz Tomé, ob. cit. , pp. 99 e segs., Frédérique Ferrand, “ Droit de la famille et obligations alimentaires – aperçu comparatif ”, in Revue Internatio- nale de Droit Comparé, n.º 3, 2013, pp. 638, e Sofia Olarte Encabo, “Modelos comparados de protección social de la viuvedad”, in La pensión de viuvedad – Una necesária reforma ante los câmbios en las estruturas familiares, M.ª Moreno Vida/J. L. Monereo Pérez/M.ª T. Diaz Aznarte (coord.), Editorial Comares, 2013, pp. 57 e segs.). O modelo português não ignora esta forte interação entre a solidariedade privada e solidariedade social, falando-se – inclusivamente – de uma “divisão de tarefas” entre o direito da família e o direito da segurança social, visto que, se até à morte do cônjuge devedor de alimentos, o cônjuge divorciado vive da pensão de

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=