TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL se refere ao cultivo (artigo 28.º); porém, o n.º 2 do artigo 2.º acrescenta que “para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”, lançando, por conseguinte, a questão de saber como deve ser punido o agente que é encontrado com uma quantidade de droga superior à necessária para o consumo médio individual durante dez dias. IV – Embora sejam várias as respostas que doutrina e jurisprudência propuseram para responder adequada- mente à questão colocada supra, elas convergem no entendimento de que essa resposta não passa por rejeitar a punição da situação descrita, já que esse seria um resultado interpretativo absurdo e notoria- mente inconstitucional, constituindo uma evidente violação do princípio da igualdade admitir que a detenção de doses para dez dias fosse punida como contraordenação, e que a detenção de quantidade superior, ainda que sem a intenção de traficar, não merecesse qualquer punição da parte do ordena- mento jurídico. V – O resultado interpretativo vertido nos autos, que em termos metodológicos, configura uma interpre- tação corretiva, ao qual tem de ser reconhecido caráter analógico, não constitui uma situação de analo- gia constitucionalmente vedada (in malam partem) , por implicar um alargamento da responsabilidade criminal do agente; por um lado, porque o entendimento que vê na factualidade vertente um ilícito de mera ordenação social é metodologicamente inadequado, porquanto esbarra rotundamente na letra do artigo 2.º, n.º 2 da Lei n.º 30/2000 sem ter, nos demais elementos da interpretação, alicerces consistentes, ou seja, a redação do preceito é categórica no sentido de excluir do regime contraordena- cional a factualidade nele visada; por outro lado, as razões que motivaram a transição para um modelo proibicionista de tipo contraordenacional, concretamente, a inadequação e a desnecessidade de mobi- lização do ilícito criminal quando em causa estejam consumidores ocasionais ou “verdadeiros” (doen- tes) toxicodependentes, não valem para todo o tipo de detenção ou aquisição, sem cuidar, portanto, dos riscos associados às quantidades efetivamente detidas e das dificuldades probatórias provenientes do facto de em muitos casos não ser possível averiguar ou provar os fins da posse de droga. VI – É de concluir, portanto, que a interpretação normativa sufragada nos presentes autos, independen- temente da sua maior ou menor consistência metodológica – que não cabe a este Tribunal controlar – não viola o princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição; na verdade, posta de parte a solução contraordenacional, e a solução de não punibilidade, porque incons- titucional, aquele sentido normativo, mesmo extravasando a letra da lei, leva pressuposta, afinal, uma analogia in bonam partem , conducente a um estreitamento das margens de punibilidade. Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 20 de janeiro de 2014.

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