TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

136 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL por via da aplicação do artigo 25.º, seja, se estiver reunido o respetivo pressuposto, por via do artigo 26.º, todos do referido Decreto-Lei n.º 15/93, não pode proceder, porquanto, numa análise global do regime jurídico da droga e das bases em que o mesmo se fundamenta, é patente que o legislador ordinário nunca teve a intenção de agravar a punição daqueles agentes, pois os mesmos não deixam de ser considerados como meros consumidores de estupefacientes e, portanto, devem, ainda assim, ser distinguidos dos criminosos. VI – Por sua vez, a posição que defende que a intenção do legislador é descriminalizar o consumo, pelo que sem- pre que a quantidade detida pelo agente exceda o consumo médio individual necessário durante o período de 10 (dez) dias, não se podendo entender existir um crime de tráfico de estupefacientes, seja pela via do artigo 21.º, 25.º ou 26.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, deve ser aplicado o regime de mera ordenação social, também não pode proceder, porque, seja pela via da integração de lacunas com aplicação analógica, seja pela interpretação extensiva, há uma clara violação dos princípios da legalidade e da tipici- dade penal, resultante das normas contidas no artigo 29.º, n.º 1 e 3 da CRP, no n.º 1 e 3 do artigo 1.º do CP e no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que impedem o recurso a analogia ou à interpretação extensiva, quer para qualificar um facto como crime ou contraordenação. VII – Finalmente, a interpretação que sustenta que o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93 continua em vigor para as situações de detenção para consumo, cuja quantidade exceda o consumo médio individual durante o período de dez dias, devendo nessa medida a norma revogatória do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, ser interpretada restritivamente, de modo a não abranger a aquisição e detenção para consumo de uma quantidade superior à necessária para 10 (dez) dias, perpassada pelo Acórdão n.º 8/08 do Supremo Tribunal de Justiça, também não pode proceder pois não se adequa à política legislativa sobejamente divul- gada aquando da publicação da nova Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, desrespeita vários normativos internacionais e nacionais vigentes e, salvo melhor entendimento, viola, frontalmente, os princípios consti- tucionais enunciados. VIII – Sabendo que o texto do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, é que “são revogados o artigo 40.º, exceto quanto ao cultivo (…)”, entendemos, manifestamente, inapropriado e sem qualquer susten- tação legal extrair deste texto que o legislador não pretendeu revogar o artigo 40.º quanto à detenção e aquisição de estupefacientes para consumo não enquadráveis na Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro. IX – A interpretação preconizada no aludido Acórdão uniformizador não respeita as regras legais atinentes à interpretação de normas, concretamente, o teor do artigo 9.º, n.º 2, do CC, porquanto o Supremo Tribunal de Justiça não refere expressamente o princípio geral expresso naquela norma, de que não deve ser conside- rado pelo intérprete “o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso”. X – A condenação, crime e a pena respetiva estão subordinadas aos princípios da legalidade e da tipicidade con- sagrados no artigo 29.º da CRP – na vertente nullum crimen sine lege scripta , proevia, certa – o qual condi- ciona, entre o mais, a interpretação dos preceitos incriminadores, proibindo o recurso à analogia/integração de lacunas, como, aliás, decorre expressamente do artigo 1.º, n.º 3 do CP. XI – A interpretação instituída no Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça, justamente afirma- mos, que a mesma vai além do que a mera interpretação restritiva da norma revogatória do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, a qual, desde logo, não poderá ser tida como conforme à CRP. XII – Tal interpretação apresenta-se como uma verdadeira integração de aparente lacuna legal, na senda do que prevê o artigo 10.º, n.º 3 do CC, dispositivo, porém, inaplicável em sede de definição de tipos incrimina- dores, atentos os princípios da legalidade e da tipicidade que subjazem a toda a dimensão jurídico-penal. XIII – Para que se pudesse qualificar a jurisprudência do dito Acórdão como interpretação restritiva da norma revogatória era fundamental que da letra da lei resultasse um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, como diz o artigo 9.º , n.º 2 do CC, o que, incontornavelmente, não resulta. XIV – Ainda que se situasse o teor da jurisprudência fixada pelo Acórdão uniformizador no âmbito da mera inter- pretação restritiva da lei, a verdade é que também essa dimensão normativa da interpretação padeceria de

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=