TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

143 acórdão n.º 587/14 8. Da inconstitucionalidade da interpretação normativa sufragada pela decisão recorrida 8.1. Admitindo que estão verificados os pressupostos processuais de que se acha dependente o conheci- mento do presente recurso, tudo estará em saber, portanto, se a interpretação normativa seguida pelo tribu- nal recorrido viola o princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, por resultar de uma analogia in malam partem . O segmento questionado é integrado pelas normas constantes dos artigos 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, e 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, quando interpretadas no sentido de que “não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”. Esta interpretação, recorde-se, coincide integralmente com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 8/08, de 25 de junho. Sublinhe-se, ainda, que não é tarefa deste Tribunal apurar qual a melhor interpretação da norma em crise à luz dos instrumentos hermenêuticos à disposição do intérprete. Por conseguinte, a apreciação de outras sugestões ou hipóteses interpretativas só será levada a cabo caso isso se revele necessário para apurar se o recurso à analogia consubstancia, in casu , um alargamento constitucionalmente proibido das margens de punibilidade. 8.2. A proibição da analogia in malam partem , isto é, da analogia da qual resulta um agravamento da responsabilidade penal do arguido, é um corolário do princípio da legalidade criminal (cfr. artigo 29.º, n.º 1, da Constituição), concretizado no brocardo latino nullum crimen, nulla poena sine lege . Este princípio opera como uma garantia contra o exercício ilegítimo e não controlável do ius puniendi estadual – sendo, nessa medida, condição de previsibilidade e de confiança jurídica – mas também como uma manifestação de justiça material, pois é através dele que se fixam os “limites da liberdade” (cfr. António Castanheira Neves, «O Princípio da legalidade criminal – O seu problema jurídico e o seu critério dogmático», in Boletim da Faculdade de Direito, Número Especial: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, vol. 1, 1984, pp. 307 e segs., e os Acórdãos n. os 559/01 e 183/08, disponíveis e m www.tribunalconstitucional.pt ). Já aquela proibição justifica-se em razão da fragmentariedade do direito penal, enquanto direito de pro- teção de bens jurídicos, e pela necessidade de respeitar o programa político-criminal gizado pelo legislador democraticamente legitimado (cfr. José Francisco de Faria Costa, «Construção e Interpretação do tipo legal de crime à luz do princípio da legalidade: duas questões ou um só problema?», in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3933, pp. 354 e segs.). Em causa está, portanto, o problema da repartição de competên- cias entre legislação e jurisdição, e, por conseguinte, também o princípio da separação de poderes. Tradicionalmente, a analogia proibida em direito (e em processo) penal ocorre quando o intérprete extrai de uma norma um sentido já não “cabível” na sua letra ou que já não tenha nesta um mínimo de cor- respondência verbal ainda que imperfeitamente expresso. O mesmo é dizer que, neste domínio, as lacunas (os casos omissos) funcionam sempre contra o legislador e a favor da liberdade do agente. Não significa isto que o direito penal consubstancie um completo desvio aos postulados hermenêuticos tradicionais. Na ver- dade, a proibição da analogia opera exclusivamente como um limite, e não como um critério de interpreta- ção, de onde resulta a plena convocação dos elementos de que geralmente se serve a metodologia jurídica – a saber, os elementos gramatical, histórico, teleológico e sistemático (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral , Tomo I, Coimbra Editora, 2007, p. 188). 8.3. Até à entrada em vigor da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, a problemática do consumo e do tráfico de droga era exclusivamente disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. Este diploma

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