TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

144 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tratava, no seu capítulo IV, a questão do consumo, prevendo, no artigo 40.º, n.º 1, um crime de consumo, punível com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias, e no n.º 2, um subtipo quali- ficado, onde se denotava um agravamento da moldura penal em função da quantidade de droga detida ou adquirida pelo agente. Paralelamente, o legislador prevê, no artigo 21.º daquele diploma, um crime de tráfico (e outras ativi- dades ilícitas), cuja redação é a seguinte: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos” (o itálico é nosso). Esta moldura penal é suscetível de ser agravada em um terço, nas hipóteses elencadas no artigo 24.º, de acordo com a redação dada ao preceito pela Lei n.º 45/96, de 3 de setembro. A par destas incriminações, o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, acolhe ainda um crime de tráfico de menor gravidade (artigo 25.º), quando a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída em razão dos meios utilizados, da quantidade das substâncias ou das circunstâncias da ação; e a situação do “traficante-consumidor” (artigo 26.º), vocacionada para as situações em que o agente pratica os factos elencados no artigo 21.º, mas tem por finalidade conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, desde que estas não excedam a necessária para o consumo médio individual durante o período de 5 dias (cfr. o artigo 26.º, n.º 2). É de concluir, portanto, que até à entrada em vigor da Lei n.º 30/2000, a fronteira entre o tráfico e o consumo não dependia das quantidades de droga em causa, mas sim da afetação da droga ao consumo pes- soal do agente. Aliás, tráfico e consumo eram “tipos alternativos”: não exigindo o “tipo” do tráfico um qual- quer fim lucrativo, ele só teria aplicação “fora dos casos previstos no artigo 40.º”, leia-se, fora dos casos em que o consumo, a aquisição e a detenção se fizessem para “consumo próprio” (cfr. Cristina Líbano Monteiro, “O consumo de droga na política e na técnica legislativas: comentário à Lei n.º 30/2000”, in Revista Portu- guesa de Ciência Criminal , vol. 11, p. 87, e Eduardo Maia Costa, “Breve nota sobre o novo regime punitivo do consumo de estupefacientes”, in Revista do Ministério Público, n.º 87, p. 147). Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 22 de abril de 1999, foi aprovada a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, que assentou, entre outras, numa opção estratégica de descriminalização do consumo de drogas e da respetiva proibição como ilícito de mera ordenação social. Esta opção fundou-se nas seguintes coordenadas: – em primeiro lugar, numa rejeição de opções “antiproibicionistas”, tais como a legalização do comér- cio de drogas ou do consumo de drogas, por razões de vária índole, entre as quais se destacam os compromissos a que o Estado Português se encontra vinculado a nível europeu e internacional; – em segundo lugar, na convicção de que a proibição do consumo como ilícito de mera ordena- ção social se justifica em nome do princípio humanista, que torna desnecessária a intervenção do direito penal, sobretudo nos casos de primeiras infrações, de consumidores ocasionais e de toxi- codependentes propriamente ditos, e que reclama o chamamento de mecanismos mais flexíveis e eficientes no tratamento dos casos concretos; A concretização destas opções estratégicas deu-se com a Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, que mexeu em dois aspetos nucleares do anterior regime jurídico. Efetivou, por um lado, a descriminalização do consumo, da detenção e da aquisição para consumo próprio de droga (artigo 2.º, n.º 1), e por outro, revogou o artigo 40.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, exceto no que se refere ao cultivo (cfr. o artigo 28.º). O n.º 2 do artigo 2.º acrescenta, porém, que “para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”, lançando, por conseguinte, a questão de saber como deve ser punido o agente que é encontrado com uma quantidade de droga superior à necessária para o consumo médio individual durante dez dias.

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