TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

146 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «(...) Neste contexto, pergunta-se: é manifestamente excessivo, arbitrário ou desproporcionado punir (designada- mente em termos tais como os constantes artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93) um agente que detenha, sem para tanto estar autorizado, uma quantidade de substâncias estupefacientes que seja superior à necessária para um consumo médio individual durante dez dias, ainda que destinada a seu exclusivo consumo?  A resposta a uma tal pergunta não pode deixar de ser negativa. Na verdade, independentemente da admissibilidade de outros fundamentos para a punição da conduta em causa, mesmo atentos os riscos que essa detenção pode acarretar e a que acima se fez referência, não se afigura que o legislador, ao definir como ilícita a conduta de detenção, esteja a agir arbitrária ou desproporcionadamente. A posse, por alguém que para tanto não está licitamente autorizado, de uma quantidade de substâncias que excede aquela que serviria para, pelo mesmo, ser consumida durante um determinado período de tempo (que, note-se nem sequer se afigura como demasiado escasso – um terço de um mês), constitui (ou, ao menos, potencia) – por si e independentemente da falta de intenção do detentor de, ao detê-la, a oferecer, proporcionar, ceder, distribuir ou vender a terceiros, de a pôr à venda, distribuir, transportar ou transitar – um risco de essas mesmas substâncias assumirem a acessibilidade para algumas daquelas situações que se não incluíam ou incluem na vontade do agente. (...)» 8.4. O juízo que venha a ser adotado quanto à constitucionalidade da posição interpretativa aplicada pelo tribunal recorrido deve ter atenção dois aspetos nucleares já parcialmente explicitados supra. O primeiro é de que, nesta sede, não é tarefa do Tribunal escrutinar todo o iter hermenêutico percorrido pela decisão recorrida, mas apenas determinar se o sentido para que aponta esse iter ainda encontra na letra da lei algum respaldo. O segundo é o de que, havendo motivos para concluir que aquela interpretação resvala para uma integração analógica, há que indagar se da mesma resulta um real alargamento das margens de punibilidade, operação que implica que o Tribunal averigue a existência de outras interpretações não inconstitucionais, metodologicamente mais adequadas e das quais emirjam resultados mais favoráveis para o arguido. Ora, o resultado interpretativo vertido nos autos foi o de que “não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”. Em termos meto- dológicos, estamos perante uma interpretação corretiva, concretamente, perante uma restrição teleológica, exercício que, em nome da teleologia da norma, desconsidera o elemento gramatical por forma a que aquela abarque menos casos do que os qur seriam “naturais” ou “possíveis” à luz da sua letra. A este exercício meto- dológico, atenta a centralidade da letra da lei, tem de ser reconhecido caráter analógico. Tudo está em saber, portanto, se esta é uma situação de analogia constitucionalmente vedada (in malam partem) , por implicar um alargamento da responsabilidade criminal do agente. A resposta a esta interrogação deve ser negativa, pelas razões de que seguidamente se dá conta. Na verdade, o entendimento que vê na factualidade vertente um ilícito de mera ordenação social é metodologicamente inadequado, porquanto esbarra rotundamente na letra do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 30/2000 sem ter, nos demais elementos da interpretação, alicerces consistentes. Se, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, é de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não se vê como é que, a partir do n.º 2, a detenção de quantidades de droga superiores à nele previstas possa apenas indiciar a prática de um crime de tráfico, constituindo, nessa medida, uma contraorde- nação. Numa palavra, a redação do preceito é categórica no sentido de excluir do regime contraordenacional a factualidade nele visada. Nem se argumente, por outro lado, que, atentos os elementos histórico e teleológico da interpreta- ção, esta é a solução para que aponta o programa político-criminal subjacente ao diploma. Tanto na Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga, como no mais recente Plano Nacional contra a Droga e as

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=