TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

147 acórdão n.º 587/14 Toxicodependências, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/2006, de 24 de agosto, descobrem-se amiúde referências à “descriminalização do consumo de droga”, sem quaisquer precisões adi- cionais. Contudo, as razões que motivaram a transição para um modelo proibicionista de tipo contraordena- cional, concretamente, a inadequação e a desnecessidade de mobilização do ilícito criminal quando em causa estejam consumidores ocasionais ou “verdadeiros” (doentes) toxicodependentes, não valem para todo o tipo de detenção ou aquisição, sem cuidar, portanto, dos riscos associados às quantidades efetivamente detidas e das dificuldades probatórias provenientes do facto de em muitos casos não ser possível averiguar ou provar os fins da posse de droga. É de concluir, portanto, que a interpretação normativa sufragada nos presentes autos, independente- mente da sua maior ou menor consistência metodológica – que não cabe a este Tribunal controlar – não viola o princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição. Na verdade, posta de parte a solução contraordenacional, pelos motivos referidos, e a solução de não punibilidade, porque inconstitucional, aquele sentido normativo, mesmo extravasando a letra da lei, leva pressuposta, afinal, uma analogia in bonam partem , conducente a um estreitamento das margens de punibilidade. 9. Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal, consagrado no n.º 1 do artigo 29.º da Constituição, a norma constante do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, quando interpretada no sentido de que se mantém em vigor o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias; b) Negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta. Lisboa, 17 de setembro de 2014. – José Cunha Barbosa – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Pedro Caupers – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido pelas razões constantes da declaração anexa). DECLARAÇÃO DE VOTO Dissenti da posição que fez vencimento por entender que, através das exigências extraíveis do seu núcleo essencial, o princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição, veda aprioristicamente ao intérprete-aplicador a possibilidade de resolver qualquer desajuste normativo detectado no ordenamento jurídico-penal através da repristinação de um tipo legal incriminador objecto de revogação expressa. Como é sabido, o princípio da legalidade criminal encontra-se tanto historicamente associado como funcionalmente vinculado à protecção do indivíduo perante o direito penal, colocando-o a salvo de uma intervenção estadual arbitrária ou excessiva. Encontra-se por isso, em geral, incluído no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, surgindo aí consagrado como uma garantia pessoal de não punição fora do domínio de uma lei escrita, prévia, certa e estrita. A exigência de lei escrita diz respeito ao plano da fonte da intervenção penal: só a lei formal é fonte polí- tico-juridicamente legítima da incriminação punitiva e, portanto, só a lei é competente para definir os crimes e as respectivas consequências jurídicas. Para além de escrita e anterior aos factos praticados, a lei que cria ou agrava a responsabilidade criminal tem que ser certa, no sentido em que deve especificar suficientemente os factos que integram o tipo legal de crime (princípio da tipicidade) e as penas que lhes correspondam, e

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