TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL estrita, no sentido em que só a lei, com exclusão de qualquer outra fonte normativa, tem legitimidade para decidir e definir a incriminação punitiva: aos tribunais apenas compete a aplicação estrita dessa norma incri- minadora e punitiva, proibindo-se-lhes qualquer concreta incriminação para além da legalmente imposta, designadamente através do recurso à analogia. Em estreita sintonia com a sua função defensiva, o princípio da legalidade penal apenas cobre a matéria penal na parte destinada a criar ou agravar a responsabilidade criminal e não também a parte respeitante à extinção ou à atenuação dessa responsabilidade. O Acórdão começa por enunciar as três posições interpretativas que doutrina e jurisprudência vêm propondo para responder à questão de saber “como deve ser punido o agente que é encontrado com uma quantidade de droga superior à necessária para o consumo médio individual durante dez dias”, e assim supe- rar a desarmonia introduzida pela Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, que efectivou, por um lado, a des- criminalização do consumo, da detenção e da aquisição para consumo próprio de droga (artigo 2.º, n.º 1), e revogou, por outro, o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, exceto no que se refere ao cultivo (cfr. o artigo 28.º): i) a primeira, acolhida pelo Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/08 do STJ, aplicada na decisão recorrida e aqui impugnada; ii) a segunda, que considera que a detenção ou aqui- sição de droga em quantidades superiores às fixadas no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, é susceptível de punição a título de contraordenação; iii) e a terceira, que aponta para a punição da situação descrita como crime de tráfico, nos termos dos artigos 21.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93. Depois de considerar a segunda posição “metodologicamente inadequad[a]” por “esbarra[r] rotunda- mente na letra do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 30/2000”, o Acórdão entende que a “solução interpretativa impugnada, mesmo extravasando a letra da lei, leva pressuposta, afinal, uma analogia in bonum partem ” na medida em que conducente, quando confrontada com a terceira e última hipótese, “a um estreitamento das margens da punibilidade”, tornando-se com tal fundamento compatível com o princípio da legalidade criminal. É deste pressuposto que começamos por divergir. A incidência do princípio da legalidade criminal sobre a norma constante do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, quando interpretada no sentido de que, apesar de nessa parte expres- samente revogado, o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, se mantém em vigor numa extensão superior à do cultivo é distinta consoante se trate de: i) nessa interpretação ancorar a subsistência da incriminação da aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações com- preendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias; ii) dessa interpretação extrair a subsistência do elemento através do qual, por emprego da fórmula “fora dos casos previstos no artigo 40.º”, o legislador procedeu à delimitação negativa dos factos incriminados no tipo legal do “tráfico e outras actividades ilícitas”, previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. Com efeito, enquanto no primeiro caso se trata da manutenção em vigor, ape- sar de expressamente revogada, da norma criadora de responsabilidade penal, no segundo caso trata-se da consideração dessa mesma norma mas apenas para o efeito de fazer subsistir na composição de um tipo legal diverso o elemento que aí contém o âmbito possível da responsabilidade criminal prevista. Sendo assim, a possibilidade de colisão com o princípio da legalidade da norma constante do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, quando interpretada no sentido de que, apesar de nessa parte expressamente revogado, o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, se mantém em vigor numa extensão superior à do cultivo só se verifica no primeiro caso e não também no segundo. O que vale por dizer que qualquer impos- sibilidade de, por força do princípio da legalidade criminal, interpretar a norma constante do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, no sentido de que se mantém em vigor o tipo incriminador constante n. os 1 e 2 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, não gera nem acarreta a necessidade de uma concomitante supressão da cláusula de contracção de responsabilidade que, através da fórmula “fora dos casos previstos no artigo 40.º”, delimita negativamente a acção típica no âmbito do crime previsto no 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. É por isso que a solução interpretativa impugnada, que

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