TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

155 acórdão n.º 611/14 (Questões de inconstitucionalidade) a) O artigo 32.º, n.º 2, da Constituição  5. O artigo 32.º (Garantias de processo criminal), n.º 2, da Constituição preceitua que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”, sendo certo que o âmbito material de proteção desta norma respeita ao “processo criminal”. Já a norma jurídica constante do artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP rege em sede de “processo disciplinar”. Neste tipo de processos, enquanto espécie dos processos sancionatórios, a proteção constitucional consiste em “assegura[r] ao arguido os direitos de audiência e defesa” (artigo 32.º, n.º 10). 6. Ora, a decisão recorrida não determina qual o sentido e alcance das disposições constitucionais. Mais espe- cificamente, não concretiza o sentido e alcance que o princípio da “presunção da inocência”, com valor constitu- cional, poderá ter no arranjo geral do processo (ou procedimento) disciplinar e nos seus concretos institutos, em particular naquele instituído pelo artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP. 7. Seja como for, é certo que a norma jurídica constante do artigo 38.º, n.º 1, do RDPS, e o instituto da sus- pensão de funções e a perda de um sexto do vencimento base, nos termos e com os efeitos ali preceituados, não viola as “garantias de defesa do arguido” em processo disciplinar.  Nomeadamente em nada dispõe, na sua letra ou no seu espírito, contra o princípio segundo o qual a dúvida insanável, na questão da prova, deve ser valorada em favor do arguido no procedimento disciplinar e, muito menos, cria qualquer “presunção de culpa” nesse tipo de procedimentos. 8. Com efeito, o que subjaz a este instituto são os efeitos, em sede da justiça disciplinar, da prolação de uma decisão instrutória, judicial, em sede criminal. Na verdade, o despacho de pronúncia é proferido por um juiz, em sede da instrução, uma fase preliminar do processo penal, que tem por finalidade legal “a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” (CPP, artigo 286.º, n.º 1). Por outra parte, o despacho de pronúncia, que aprecia “livremente” a prova, conclui que foram “recolhidos indícios de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena” (CPP, artigo 308.º, n.º 1). 9. Ou seja, na norma jurídica constante do artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP, não é estabelecida, qualquer presun- ção (ilação probatória, que procede do facto certo para o facto incerto). O que há é, antes, a afirmação judicial – na sequência de similar afirmação já formalizada na acusação pelo Ministério Público, também ele “autoridade judiciária – da verificação positiva de “indícios” da prática de um crime. 10. Por outra parte, não é arbitrária a relevância deste juízo probatório judicial em sede do processo disciplinar, sobretudo por duas ordens de razões. Primeiramente, em função dessa comprovação judicial dos “indícios” da prática de crime, ficam verosimil- mente postos em cheque os atributos de autoridade, prestígio e confiança pública de que o arguido deve, neces- sariamente, estar revestido para prosseguir com o idóneo exercício de funções na polícia, enquanto órgão auxiliar da função de soberania e administração da justiça, investido do monopólio do uso de poderes coercivos, nomea- damente do uso da força. Depois, porque no caso pode estar em causa a prática de factos tipificados como infração disciplinar e cuja per- petração pode comprometer a viabilidade da relação funcional, motivo por que lhes é cominada a pena de demissão [RDPSP, artigos 47.º, n. os 1 e 2, alíneas a) e c) , e 48.º, n.º 1, alínea a) ]. 11. Concluímos, assim, que a norma jurídica constante do artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP não infringe os direi- tos de defesa do arguido em sede do processo disciplinar, nomeadamente não é atentatória do princípio da presun- ção da inocência (assim, precisamente, quanto a norma jurídica de igual conteúdo, o Acórdão n.º 439/87, do TC). (…)

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