TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

177 acórdão n.º 612/14 2. A norma contida no artigo 75.º, n.º 1, conjugado com artigo 78.º, n.º 3, ambos do RGCO, interpretada no sentido de que, em processo contraordenacional, o recurso para o Tribunal da Relação está limitado à matéria de Direito, é inconstitucional por violação do artigo 32.º, n. os 1 e 3, da CRP e do princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP, numa dupla perspetiva, dado que: (i) quando uma contraordenação é julgada juntamente com um crime há gravação dos depoimentos em audiência e há possibilidade de recurso quanto à matéria de facto, não havendo motivos para a distinção do regime dos recursos aplicável caso a contraordenação seja julgada individualmente ou juntamente com um crime; (ii) a limitação do recurso quanto à matéria de facto constante do RGCO tem como panorama as molduras sancionatórias previstas no artigo 17.º do RGCO, que não têm qualquer semelhança com a moldura san- cionatória em causa nos presentes autos, não podendo tratar-se de forma igual (aplicando-se as mesmas restrições processuais) realidades manifestamente distintas. 3. A norma que recusa o recurso para o Tribunal da Relação quanto à matéria de facto em processo contraorde- nacional está desadequada da realidade c da complexidade e importância atuais dos processos de contraordenação, que podem chegar à aplicação de coimas de montante muito superior a qualquer multa que possa ser aplicada no Código Penal. 4. A interpretação do artigo 75.º do RGCO segundo a qual o recurso para o Tribunal da Relação em processo de contraordenação está limitado a matéria de Direito viola o direito ao recurso ou a um duplo grau de jurisdição em matéria penal, nos termos dos artigos 20.º n.º 1 e 32.º n.º 1 da CRP. porquanto limitar os poderes do Tribunal da Relação em matéria de facto equivale a negar qualquer recurso quanto à matéria de facto. 5. Não pode considerar-se que a impugnação judicial constitui um primeiro grau de recurso quanto à matéria de facto, porquanto tal corresponderia a ficcionar na decisão do regulador uma decisão judicial em sentido amplo, recorrível como tal, o que, para além de ser formalista e desajustado da realidade, levaria à conclusão de que em processo de contraordenação não vigoraria o princípio do acusatório, 6. Pelo que, considerando a natureza quási-penal do tipo de ilícitos em causa, a interpretação do artigo 75.º n.º 1 do RGCO que resulta da decisão recorrida é inconstitucional por violação do artigo 32.º n. os 1 e 10 da CRP, na medida em que impede o recurso quanto à matéria de facto das decisões condenatórias proferidas em processo de contraordenação previstos e punidos pelo REGICOM. 7. A inconstitucionalidade do artigo 75.º n.º 1 do RGCO conduz à conclusão pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 66.º do RGCO, que proíbe o registo da prova em audiência de julgamento em primeira instância em processos de contraordenação com a natureza do presente, porquanto impede o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso, violando, consequentemente, os artigos 32.º n. os 1 e 10, 20.º n.º 5 e 13.º n.º 1 da CRP. 8. A recorrente requereu expressamente a gravação da prova em audiência, exatamente por não poder con- cordar com o disposto no artigo 66.º do RGCO, o que foi indeferido, requerendo agora que, sendo declarada a inconstitucionalidade da referida norma, o processo volte ao Tribunal de primeira instância para que seja docu- mentada a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento. 9. A norma constante do artigo 113.º n.º 1 alínea ll) e n.º 2 do REGICOM conjugada com o artigo 54.º n.º 5 do mesmo diploma constitui norma sancionatória cm branco c inconstitucional, porquanto da mesma não resulta o comando ao destinatário da norma nem o conteúdo essencial necessário à compreensão de todos os elementos do ilícito, o que viola o princípio da legalidade e da tipicidade, previstos no artigo 29.º n.º 1 da CRP. 10. Com efeito do artigo 113.º n.º 1 alínea ll) e n.º 2 do REGICOM conjugado com o artigo 54.º n.º 5 do mesmo diploma não consta qualquer conduta tipificada, nem qualquer baliza ou diretriz que permita limitar as condutas que poderão vir a ser definidas pela ANACOM no Regulamento da Portabilidade e cuja violação, conse- quentemente, poderá constituir a prática de ilícito contraordenacional.

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