TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL assistente em processos desta natureza, não lhe reconhecem legitimidade para recorrer (Acórdão n.º 344/93); normas que, em dada interpretação, impõem ao notificado, na fase administrativa, o ónus de logo suscitar a irregularidade ou a nulidade da notificação, caso entenda que o lapso material de que a mesma padece prejudica o seu direito de defesa (Acórdão n.º 278/99); interpretação segundo a qual, sendo notificado o mandatário do dia designado para leitura da decisão da impugnação judicial em processo contraordenacional, o prazo para recorrer se conta a partir da data da leitura da decisão em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário (Acórdão n.º 77/05); normas interpretadas no sentido de não imporem à autoridade administrativa o dever de pronúncia sobre as nulidades invocadas na defesa do arguido (Acórdão n.º 325/05); norma inter- pretada no sentido de não permitir recurso para o Tribunal da Relação de despacho de indeferimento de argui- ção de nulidade processual, proferido posteriormente à decisão de rejeição de impugnação judicial de decisão administrativa sancionadora de contraordenação (Acórdão n.º 659/06); normas interpretadas no sentido de que a fundamentação por remissão prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, é aplicável à decisão sancionatória de ilícito de mera ordenação social (Acórdãos n. os 50/03, 62/03, 249/03, 469/03 e 492/03); normas que consagram uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal dos condutores de transporte rodoviário, para efeitos de a responsabili- zar pelas contraordenações praticadas por estes últimos (Acórdão n.º 45/14). Em todas essas decisões se considerou inaplicável, atenta a diferente natureza do ilícito contraordena- cional, o princípio constitucional de direito criminal ou processual criminal invocado em fundamento do reclamado juízo de inconstitucionalidade. Ora, estando em causa ilícitos substancialmente diferentes, como massivamente se demonstra na citada jurisprudência, afigura-se materialmente fundada a norma que, como a que consta do sindicado artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, nega ao arguido em processo de contraordenação a possibilidade de sindicar perante o tribu- nal da relação a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância, em sede de impugnação judi- cial da decisão que lhe aplica uma coima, contrariamente ao que sucede com o arguido em processo-crime. É que, independentemente do grau de complexidade dos factos em discussão e do montante da coima aplicável, o certo é que estará sempre em causa a prática de uma contraordenação e a aplicação, por via dela, de uma coima. E uma contraordenação não é equiparável, quer na perspetiva do bem tutelado, quer na perspetiva das reações sancionatórias que determina, à prática de um crime; neste último caso, e como é sabido, está em causa a ofensa de bens e valores tidos como estruturantes da sociedade e a notícia da prática de um crime desencadeia, pela sua gravidade, um complexo processo com vista a determinar o seu autor e a responsabilizá-lo criminalmente com penas que, sendo de prisão ou multa, assumem sempre um sentido de retribuição ou expiação ética e uma finalidade ressocializadora cuja realização pode implicar, no limite, a privação da liberdade do arguido; nada disso se passa com as contraordenações que, sendo ilícitos, não com- prometem os alicerces em que assenta a convivência humana e social, e dando lugar à aplicação de coimas, não se dirige, através delas, qualquer juízo de censura ético-jurídica à pessoa do agente mas uma simples advertência de alcance comportamental, cuja garantia é apenas e só de ordem patrimonial. Por isso, acautelados que estejam, como estão, os direitos de audiência e defesa do arguido, quer na fase administrativa (artigo 32.º, n.º 10, da CRP), quer na fase judicial (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), justifica-se que o legislador, na ponderação dos valores em presença, opte por um padrão de simplicidade e celeridade processuais que, no domínio dos recursos, se manifesta na norma, ora questionada, que limita, em princípio, os poderes de cognição da segunda instância à matéria de direito. A recorrente fundamenta ainda a inconstitucionalidade da norma ora em apreciação, também por vio- lação do princípio da igualdade, no facto de as contraordenações processadas conjuntamente com crimes darem lugar a decisões de facto passíveis de serem sindicadas pelo tribunal da relação (artigo 78.º, n.º 3, do RGCO), o que não sucede, sem qualquer fundamento razoável, com as contraordenações que o não são. Mas também aqui se descortina para a invocada diferença de tratamento legal uma razão que, para além de razoável, se afigura evidente. É que, como sublinhado pelo tribunal recorrido, a possibilidade de recorrer

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