TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

183 acórdão n.º 612/14 da decisão de facto para o tribunal da relação, quanto às contraordenações que se processam conjuntamente com crimes (citado artigo 78.º, n.º 3, do RGCO), resulta do facto de inexistir em relação a estas qualquer decisão administrativa judicialmente impugnável. A primeira e única decisão de aplicação da coima é, nestes casos, a decisão do tribunal de primeira instância, contrariamente ao que sucede com as contraordenações cujo processamento decorre perante as autoridades administrativas competentes e é por estas decidido em primeiro grau. Assim sendo, justifica-se que, no primeiro caso, se reconheça ao arguido a possibilidade de sindicar perante um tribunal superior a única decisão sobre matéria de facto proferida nos autos e, no segundo caso, se limite o recurso às questões de direito, pois que o arguido já teve a possibilidade de impugnar judicial- mente prévia decisão (administrativa) tomada nos autos sobre a prática dos factos que lhe são imputados. A norma em causa não viola, pois, em qualquer das perspetivas equacionadas pela recorrente, o princí- pio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental. Finalmente, defende a recorrente que a solução consagrada no artigo 75.º do RGCO viola o direito de acesso aos tribunais e o direito ao recurso que os artigos 20.º, n.º 5, e 32.º, n.º 10, da CRP, respetivamente, conferem ao arguido em processo de contraordenação. Não se verifica, porém, nenhuma das arguidas inconstitucionalidades. O direito de acesso aos tribunais, que se realiza horizontalmente com a garantia de um único grau de jurisdição, satisfaz-se com a possibilidade, exercida pela recorrente nos autos, de impugnar judicialmente a decisão administrativa que lhe aplicou a coima, tal como especialmente garantido à generalidade dos admi- nistrados em face de atos administrativos que os lesem (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição). Por outro lado, a norma do artigo 32.º, n.º 10, da Lei Fundamental, não confere ao arguido em pro- cessos de contraordenação o direito de ver reapreciada por um tribunal superior a decisão sobre matéria de facto neles proferida, como pretende a recorrente. Como se esclarece no Acórdão n.º 659/06, «com a intro- dução dessa norma constitucional (efetuada, pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contraordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (…). Tal norma implica tão-só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade. É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, ‘nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios’, de ‘todas as garantias do processo criminal’ (…)». Apreciando precisamente a norma, ora sindicada, do artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, à luz do refe- rido parâmetro constitucional, considerou, aliás, o Tribunal Constitucional, que a Constituição não impõe, mesmo no âmbito do processo criminal, a garantia de um segundo grau de reapreciação da matéria de facto ou um duplo grau de recurso em matéria de facto (cfr. Acórdãos n. os 73/07 e 632/09 e, secundando-os, Acór- dão n.º 6/13), pelo que, representando a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, em processos de natureza contraordenacional, uma decisão proferida «já em grau de reapreciação» – justamente porque se trata de um recurso que incidiu sobre a decisão que aplicou a coima –, a pretensão de obter uma segunda reapreciação da matéria de facto pelo tribunal da relação excederia, desde logo, o âmbito de tutela do direito ao recurso, tal como vem sendo densificado pela jurisprudência constitucional. Por isso, concluiu pela não inconstitucionalidade da referida norma. Nenhuma razão há para alterar esse entendimento.

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