TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

184 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito, se é certo que a decisão reapreciada pelo tribunal de primeira instância configura um ato administrativo e não um ato jurisdicional, como sustenta a recorrente, isso mesmo representa já o exercício de um direito de impugnação judicial que a Constituição confere ao administrado (acoimado) por ela visado (artigo 268.º, n.º 4) e, como se viu, dela não decorre qualquer garantia adicional para o arguido de ver rea- preciada por um tribunal superior a decisão judicial que, reapreciando o juízo de facto formulado pela auto- ridade administrativa, julga provados os factos que fundamentaram a aplicação de uma coima. A garantia do duplo grau de jurisdição consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, que a jurisprudência constitu- cional tem reconhecido ao arguido em processo penal, em núcleos duros como o da sentença condenatória e decisões que afetem a sua liberdade, não vale para este específico domínio sancionatório, pelas razões, acima enunciadas, que fazem dele um ramo de direito substancialmente diferente do direito criminal. Por outro lado, e por força do que expressamente dispõe o referido n.º 10 do artigo 32.º da Consti- tuição, também a fase administrativa do processo de contraordenação se estrutura de modo a assegurar os direitos de audiência e defesa do arguido, o que confere à decisão final de aplicação de uma coima suficiente densidade garantística que, a par da possibilidade constitucionalmente assegurada da sua impugnação judi- cial, acautela a posição processual do arguido em processo de contraordenação sem, contudo, prejudicar os valores de eficácia e celeridade que este deve garantir em áreas de intervenção e regulação que, pela sua relevância económico-social, exigem do ordenamento jurídico uma resposta tanto quanto possível rápida e eficaz. Neste contexto, não se afigura constitucionalmente censurável que se atribua ao tribunal da relação apenas poderes de revista, sem prejuízo do que dispõe o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, aplicável. 4. Concluindo-se pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, na inter- pretação que limita o recurso para o Tribunal da Relação, em processos de contraordenação, à matéria de direito, necessariamente se impõe idêntico juízo para a norma que, extraída da conjugação desse preceito legal com o artigo 66.º do mesmo RGCO, não admite, em tais processos, o registo da prova produzida em audiência (neste sentido, cfr. Acórdãos n. os 50/99 e 73/07, cuja doutrina aqui se reafirma). Na verdade, a inadmissibilidade do registo de prova produzida em audiência decorre da impossibilidade do recurso da decisão sobre matéria de facto, e é sob esta exclusiva perspetiva que a recorrente reflexamente dirige àquela norma as mesmas suspeitas de inconstitucionalidade que infundadamente levantou sobre esta última, pelo que, nada se dizendo de novo ou autónomo, é de reiterar quanto à norma extraída do sindicado artigo 66.º do RGCO as razões por que se não julgou inconstitucional a norma do artigo 75.º, n.º 1, do RGCO. 5. A recorrente alega, ainda, que a norma do artigo 113.º, n.º 1, alínea ll) , conjugada com o que dispõe o artigo 54.º, n.º 5, ambos da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, constitui uma «norma sancionatória em branco», o que viola os artigos 29.º, n. os 1 e 3, 2.º e 32.º, n.º 5, da CRP. Os sindicados preceitos legais têm, na parte relevante, o seguinte conteúdo: «[…] Artigo 113.º (Contraordenações e coimas) 1 – Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, constituem contraordenações: (…) ll) A violação do direito dos assinantes à portabilidade previsto no n.º 1 do artigo 54.º e o incumprimen- to das obrigações que sejam estabelecidas nos termos previstos no n.º 2, 3 e 5 do artigo 54.º;

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=