TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

202 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do perito entre € 102 e € 1020, não podendo exceder os € 1.020, os quais funcionam como limite inultra- passável. Se é certo que, na maioria das perícias ( v. g. , médico-legal, sobre o estado da estrutura de um edifício, etc.), o limite superior é apropriado, o mesmo não acontece noutras perícias como a dos autos. Com efeito, a análise das 6067 folhas de documentos do processo e as deslocações do Sr. Perito importaram um tempo de trabalho de cinquenta e uma horas. E, por força do limite legal referido, o Sr. Perito não poderá receber mais de € 1020. Esta solução é altamente censurável, desproporcional e inconstitucional.” 29.º No referido despacho, o digno magistrado judicial refere, ainda (cfr. supra n.º 6 das presentes alegações): “Ora, a Constituição Portuguesa funda-se na dignidade da pessoa humana como seu valor fundamental, sendo que o direito à retribuição dos trabalhadores tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (cfr. Artigo 17.º da Constituição) – cfr. Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª Edição, p. 318. Assim, o limite legal do Artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais – interpretado no sentido de que não é exigível o pagamento do serviço do perito na parte em que exceda os € 1020 – integra uma norma materialmente inconstitucional porque viola o princípio constitucional da retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, conforme Artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição. Na ver- dade, o trabalho deve ser remunerado de forma a prover às necessidades da vida, sendo que a retribuição deve garantir uma existência condigna. Não é aceitável num Estado de direito assente sobre o conceito da dignidade da pessoa humana a manutenção de uma norma que permita a realização de trabalho sem que o trabalhador veja remunerado o seu esforço. Por outro lado, o referido limite legal contende também com o direito à prova e a um processo equitativo. O direito à prova está constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, como princí- pio geral do acesso ao direito e aos tribunais, que a todos é assegurado para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (sobre o direito à prova, cfr. o nosso Prova Testemunhal, Almedina, 2013, pp. 236-238). Por sua vez, a exigência de um processo equitativo, constante do Artigo 20.º, n.º 4 da Constituição, impõe que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo. “Um processo equitativo postura, por isso, a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do con- traditório e da igualdade de armas.” – Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 192. O limite absoluto à remuneração dos peritos contende com o direito à produção efetiva de prova pelas partes na medida em que não assegura que a perícia seja realizada por perito qualificado, que analise a situação de forma cabal, competente e esclarecedora para o tribunal. A operância de tal limite conduz à degradação da qualidade da prestação dos peritos. Fica – de igual modo – posta em causa a garantia de um processo equitativo porquanto a efetividade do direito de defesa e/ou de ação fica questionada com o recurso a colaboradores do tribunal que tenderão a não ser qualificados, idóneos e isentos.” 30.º O digno magistrado judicial decidiu, pois (cfr. supra n.º 7 das presentes alegações): “Flui do exposto que o referido limite é materialmente inconstitucional. Ao abrigo dos princípios de gestão processual (6-1 do Código de Processo Civil) e da adequação formal (547.º do Código de Processo Civil), entendemos que a remuneração do Sr. Perito deverá ser fixada pelo valor referência de € 40 à hora. Atento o tempo já decorrido desde que o Sr. Perito prestou os serviços que lhe foram solicitados e não sendo previsível quanto demorará a conclusão deste processo (facto alheio ao Perito e que se poderá alongar por

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