TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

217 acórdão n.º 656/14 15. Afastado este aspeto, é chegado o momento de analisar o problema da perspetiva do direito à remu- neração da atividade pericial junto dos tribunais. Neste âmbito, em resposta ao raciocínio do tribunal a quo, sustenta o recorrente que não pode estar em causa a violação do princípio constitucional da retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, uma vez que a colaboração prestada pelos peritos «não é (…) exercida como trabalho remunerado, na aceção do artigo 59.º da Constituição. O trabalho ali referido é o correspondente à atividade profissional habitual do perito, no caso dos autos, um Técnico Oficial de Contas». Mais sustenta que «a remuneração em causa nos autos reporta-se (…) a uma atividade específica e pontual de colaboração com o tribunal para além da atividade profissional habitual do perito, razão, essa, que, justamente, legitima tal remuneração adicional. Só que tal remuneração adicional encontra-se previamente estabelecida em diploma próprio. Até para salvaguardar um tratamento remunera- tório idêntico para peritos que se encontrem nas mesmas circunstâncias». 16. O artigo 59.º da Constituição ocupa-se dos direitos fundamentais dos trabalhadores, «fazendo elenco dos principais direitos dos trabalhadores assalariados que caracterizam o Estado social nesta vertente» (vide J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra Editora, 4.ª edição, vol. I, p. 772) visando, portanto, especialmente a relação de emprego subordinado (no regime de contrato de trabalho ou de contrato de trabalho em funções públicas). Tendo como destinatários todos os trabalhadores, o seu domínio de aplicação é, assim, o das relações jus-laborais. A actividade pericial desenvolvida no âmbito de um processo judicial não se reconduz, porém, a uma relação de emprego subordinado, sendo diferente a sua natureza. De acordo com o regime infraconstitucional estabelecido no Código de Processo Civil, a função de perito caracteriza-se pela obrigação de «desempenhar com diligência a função para que tiver sido nomeado, podendo o juiz condená-lo em multa quando infrinja os deveres de colaboração com o tribunal», e podendo o perito ser «destituído pelo juiz se desempenhar de forma negligente o encargo que lhe foi cometido, designadamente quando não apresente ou impossibilite, pela sua inércia, a apresentação do relatório no prazo fixado» (artigo 469.º do Código de Processo Civil). A lei dispensa pessoas que se encontrem no exercício de determinadas fun- ções do exercício da função de perito (artigo 470.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Fora daqueles casos, só podem pedir escusa da intervenção como peritos «aqueles a quem seja inexigível o desempenho da tarefa, atentos os motivos pessoais invocados» (artigo 470.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Salvo se forem funcionários públicos que intervenham no exercício das suas funções, após a nomeação pelo juiz (no despacho que ordena a realização da perícia – artigo 478.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), os peritos prestam «compromisso de cumprimento consciencioso da função que lhes é cometida» (artigo 479.º, n. os 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil). Diferentemente da relação normal de trabalho, a atividade pericial caracteriza-se, assim, pela prestação esporádica no exercício de um serviço público, devendo salientar-se ainda a tendencial obrigatoriedade de aceitação da nomeação, já que só invocando motivos pessoais que permitam concluir pela inexigibilidade da nomeação será possível ver deferido o correspondente pedido de escusa. Para além destes traços diferenciadores da relação de trabalho subordinado, existem outros de aproxi- mação destas duas realidades, como a sujeição do perito ao dever de obediência e diligência na atividade de colaboração com o tribunal que é chamado a prestar. Cobrando justificação na prossecução do interesse geral de administração da justiça, este regime de sujeição a que fica vinculado não deixa de impor ao perito um custo pessoal que, como qualquer sacrifício individualmente imposto, deve ser devidamente compensado. 17. A solução normativa traduzida no reconhecimento do direito à remuneração das pessoas que inter- venham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências (artigo 16.º e artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais) tem subjacente o respeito pelo princípio da remuneração da atividade

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