TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

224 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o exercício da faculdade de consultar o processo – então, o enunciado obviamente adequado a tal intenção seria no sentido de que a nota de culpa fosse acompanhada do próprio processo. Em vez disso, a lei limita-se a exigir ao empregador o “respeito” do “direito de consulta”, o que manifestamente sinaliza a abstenção de comportamentos obstrutivos» (itálico do autor). Monteiro Fernandes não se encontra só nesta posição. No mesmo sentido se pronunciou Pedro Fur- tado Martins – escrevendo igualmente no domínio da LCCT ( Cessação do Contrato de Trabalho , 2.ª edição, Lisboa, 2002, p.101). E é ainda significativo que outro autor, Pedro de Sousa Macedo, escrevendo ainda no domínio da LCCT, dedique longas páginas às nulidades do processo disciplinar, sem fazer qualquer referên- cia à violação de um hipotético dever de notificação ao arguido das condições e local de consulta do processo disciplinar ( Poder disciplinar patronal , Coimbra, 1990, pp. 143 a 154). Na verdade, o mais que ali se escreve é que «não se tem pronunciado a jurisprudência sobre a falta de acesso do trabalhador ao processo disciplinar (…) mas pensa-se que (…) representa uma nulidade por se integrar na audiência do trabalhador (o n.º 4 do artigo 10.º concede o prazo de cinco dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa)». 7. Muito embora não se trate de doutrina unânime, a verdade é que aqueles autores que a encaram com reservas parecem tudo menos apoiantes seguros da tese oposta – a da suposta essencialidade do dever de notificar ao arguido as condições e local de consulta do processo disciplinar juntamente com a nota de culpa.  Albino Mendes Baptista, escrevendo já no domínio do Código do Trabalho, manifesta reservas quanto à posição sustentada, designadamente, por António Monteiro Fernandes, admitindo que ela se pode traduzir numa «diminuição de garantias». Percebe-se, contudo, que hesita e tem dúvidas, quando escreve algo que se afigura incontroverso, mas que nada tem a ver com aquele suposto dever de notificar: «se o empregador tornar a consulta do processo (demasiado) difícil ou (muito) onerosa cometerá um vício que poderá conduzir à invalidade do procedimento» ( Estudos sobre o Código do Trabalho, 2.ª edição, Coimbra, pp. 221-222). Júlio Gomes, apontado como suposto defensor da essencialidade do dever de notificar ao arguido das condições e local de consulta do processo disciplinar juntamente com a nota de culpa, pelo seu lado, tam- bém não é claro a tal respeito. Na verdade, escreve na nota de rodapé (2410) da sua obra Direito do Trabalho (Volume I, Coimbra, 2007, pp. 1004-1005) que «o empregador deverá indicar ao trabalhador a hora e o local em que poderá consultar o processo», acrescentado logo se seguida «ainda que não tenha de o fazer na própria nota de culpa» (o itálico é nosso). E, reforçando a ideia de que, afinal, não considera existir um verda- deiro dever de notificar o trabalhador arguido em processo disciplinar das condições e local de consulta do processo disciplinar juntamente com a nota de culpa, prossegue, citando a frase de Albino Mendes Batista, que de novo transcrevemos: «se o empregador tornar a consulta do processo (demasiado) difícil ou (muito) onerosa cometerá um vício que poderá conduzir à invalidade do procedimento». 8. Bem vistas as coisas, a principal doutrina jus-laboralista sobre a questão que nos ocupa reparte-se por duas posições: a) Os que entendem assumidamente que a lei não impõe a notificação ao arguido das condições e local de consulta do processo disciplinar (António Monteiro Fernandes, Pedro Furtado Martins, Pedro de Sousa Macedo). b) E os que entendem que o que a lei seguramente proíbe é que o empregador dificulte ou impeça a consulta do processo disciplinar por parte do trabalhador, sem que sustentem explicitamente a existência de um dever legal de notificar o arguido das condições e local de consulta do processo disciplinar (Albino Mendes Batista, Júlio Gomes). Ora, como é bom de ver, não se descortina qualquer divergência doutrinária substancial: os primeiros auto- res não contestam, como escreve António Monteiro Fernandes, que o direito de defesa do trabalhador arguido em processo disciplinar resulta ofendido quando este «fica impossibilitado de aceder ao processo disciplinar». Por outras palavras: a divergência doutrinária é mais aparente do que real.

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