TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

239 acórdão n.º 678/14 «(…) IV. Da Inconstitucionalidade do artigo 33.º, n.º 2 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril O artigo 33.º, n.º 2 da Portaria, face ao caso concreto, enferma de inconstitucionalidade por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). A norma ora em crise, quando interpretada e aplicada da forma acrítica e formalista, como, com o devido respeito, fez o Tribunal de primeira instância, é inconstitucional porquanto confere à parte que elabora a Nota de Custas de Parte a faculdade de definir, sem qualquer controlo judicial, o montante que a parte contrária tem de depositar para que a sua reclamação seja apreciada. É evidente que não pode permitir-se a uma das partes, sem qualquer controlo prévio, a definição do montante que a parte contrária terá de pagar para exercer o seu direito. A admitir-se este entendimento, estava encontrada a forma de privar a parte contrária de reclamar da nota de custas de parte ou de tornar o exercício desse direito excessivamente oneroso, já que bastaria atribuir a tal nota um valor excessivamente alto. É precisamente o que sucede no caso vertente, já que para exercer o direito a reclamar da Nota de Custas de Parte, o recorrente teria de depositar um montante equivalente a mais de seiscentas unidades de conta! A ter de ser efetivamente assim, poderia a parte vencedora pedir, a título de custas de parte, centenas de milhões de euros, simplesmente com o objetivo de impedir a parte vencida de aceder à tutela do tribunal através de recla- mação. Poderia também dar-se o caso de, por mero lapso de escrita, a parte vencedora peticionar um montante muito superior ao que era devido, ficando a parte vencida com o ónus (ou a impossibilidade) de depositar esse injustifi- cado montante para poder aceder ao tribunal. Conforme refere Salvador da Costa, «O depósito da totalidade do montante constante da nota justificativa das custas de parte como condição da admissão da respetiva reclamação é suscetível de constituir entrave à realização da justiça do caso concreto» – cfr. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais – anotado e comentado , Coimbra, Almedina, 2012, 4.ª edição, p. 582. O artigo 20.º da CRP, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», consagra um direito fundamental, representando uma norma-princípio estruturante do Estado de Direito democrático – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, 4.ª edição, vol. I, p. 409. O artigo 20.º da CRP consagra um direito fundamental e uma garantia de que «ninguém pode ser privado de levar a sua causa (relacionada com a defesa de um direito ou interesse legítimo e não apenas de direitos fun- damentais) à apreciação de um tribunal» – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, 4.ª edição, vol. I, pp. 408 e 409. Ademais, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP encerra vários direitos conexos. No artigo 20.º, n.º 1 da CRP, contamos com o direito de acesso ao direito e o direito de acesso aos tribunais. O direito à justiça não pode ser prejudicado por insuficiência de meios económicos. Numa das perspetivas que caem dentro da compreensão desta disposição, Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam que «Incumbe à lei assegurar a concretização desta norma constitucional, não podendo, por exemplo, o regime de custas judiciais ser de tal modo gravoso que torne insuportável o acesso aos tribunais, ou as ações ou recursos estarem condicionados a cauções ou outras garantias financeiras incomportáveis» – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, 4.ª edição, vol. I, p. 411. Ora, o regime previsto pela Portaria, na medida em que condiciona o acesso à reclamação judicial das custas de parte ao depósito de um valor que, na prática, pode ser livre e discricionariamente fixado por uma das partes no processo, onera de – forma arbitrária o acesso à justiça e rompe o equilíbrio do sistema judicial, favorecendo de forma desmesurada uma das partes.

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