TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

240 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É certo que o acesso à justiça e aos tribunais não é, sequer, tendencialmente gratuito, sendo admissível do ponto de vista jus constitucional que se condicione esse acesso ao pagamento de taxas. No entanto, como bem referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, «o direito ao acesso à justiça proíbe segu- ramente que eles sejam tão onerosos que dificultem, de forma considerável, o acesso aos tribunais» – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, 4.ª edição, vol. I, p. 411. O legislador ordinário goza de ampla discricionariedade quanto à conformação da disciplina das custas. No entanto, essa liberdade está inelutavelmente limitada pela necessidade de proporcionalidade que exige a incumbên- cia do Estado assegurar a realização da justiça. Ora, a norma em crise não resiste a qualquer juízo de ponderação dos interesses em causa. Note-se que no caso de reclamação da conta de custas judiciais nos termos do artigo 31.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, o reclamante tem de depositar 50% do montante da conta (o que já de si é excessivo), ao passo que no caso vertente se impõe o depósito da totalidade do montante da Nota de Custas de Parte. A diferença é ainda mais injustificada se se atentar no facto de que a conta de custas judiciais é elaborada por funcionários obrigados a deveres de legalidade e diligência, enquanto a Nota de Custas de Parte é elaborada pela parte que dela beneficiará. Além do mais, e em mais uma clara violação do princípio da proporcionalidade, a norma peca por exigir o depósito do montante em questão, não admitindo sequer a prestação de caução por outros meios. Note-se que não há aqui que ponderar os interesses do Estado, porquanto o montante reclamado a título de custas de parte reverte, evidentemente, para a parte vencedora. No Acórdão n.º 347/09 do Tribunal Constitucional foi apreciada a constitucionalidade do artigo 33.º-A do Código das Custas Judiciais, norma semelhante à que ora se discute. Nesse caso, respeitante à nota discriminativa de despesas apresentadas por um solicitador de execução, o Tribunal Constitucional esclareceu que, para que proce- desse a alegação de violação do artigo 20.º da CRP, seria necessário que «se demonstrasse o carácter não controlado do processo de elaboração da nota de custas». O Tribunal Constitucional entendeu que essa circunstância não se verificava porque a Portaria n.º 708/2003 dispõe no seu artigo 4.º que «o juiz, a Câmara dos Solicitadores, o exe- quente e o executado e qualquer terceiro que tenha um interesse legítimo no processo têm direito a ser informados sobre a conta corrente discriminada da execução», e que «[o] solicitador da execução, no ato de citação, para além das informações impostas pelas normas processuais, deve informar o executado do montante provável dos seus honorários e despesas». Ora, diversamente da situação do acórdão em referência, na elaboração da Nota de Custas de Parte do presente caso não há mecanismos que assegurem o conhecimento das despesas prováveis da parte e, ademais, a possibilidade de apresentação de um valor arbitrário pela parte que elabora a Nota não se encontra, de forma alguma, acautelada pelo legislador.» (Fls. 1507-1511) A Relação do Porto negou provimento ao recurso, através de acórdão proferido em 15 de janeiro de 2013 (fls. 1537 a 1542), rejeitando a invocada inconstitucionalidade do artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação já mencionada. O Tribunal entendeu não se verificar violação do artigo 20.º da Constituição, nos seguintes termos: «(…) 2.2. Constitucionalidade do artigo 33.º n.º 2 da Portaria n.º 419-A/2009 O recorrente argumenta que o artigo 33.º n.º 2 da Portaria 419-A/2009 enferma de inconstitucionalidade por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. A interpretação que deste artigo 20.º vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional (…) pode condensar-se na seguinte doutrina: não há uma imperatividade constitucional de se assegurar a gratuitidade da justiça e ao direito subjetivo de acesso aos tribunais corresponde um dever correlativo do Estado de garantir condições para assegurar a efetividade da tutela jurisdicional. Daqui decorre que a liberdade do legislador, na disciplina do regime das cus- tas, goza de uma relativa margem, sendo limitada porém pela demonstração de que os custos por ele fixados para

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