TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

243 acórdão n.º 678/14 19. A insuficiência económica, fora dos casos em que é admitido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos, é juridicamente irrelevante para efeitos de custas de parte uma vez que interpretada a norma do artigo 33.º, n.º 2, da Portaria no sentido que aqui se presente ver apreciado, isto é sem se proceder ao depósito da totalidade do valor conforme peticionado, o tribunal não aprecia, nem sequer admite a reclamação e, como tal, também não conhece da capacidade da parte para fazer face a esse valor. 20. Não pode permitir-se que a parte vencedora num litígio possa livremente, e ainda que a título provisório, determinar qual o preço a pagar pela parte vencida para aceder à tutela judicial. 21. O legislador ordinário goza de ampla discricionariedade quanto à conformação da disciplina das custas mas essa liberdade está inelutavelmente limitada pela necessidade de proporcionalidade que exige a incumbência do Estado em assegurar a realização da justiça. 22. A norma em crise não resiste a qualquer juízo de ponderação dos interesses em causa e representa uma clara violação do princípio da proporcionalidade, não admitindo sequer a prestação de caução por outros meios. 23. A imposição de ónus processuais não é incompatível com a tutela constitucional, mas deve conformar-se com o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n. os 2 e 3, da CRP. 24. A norma ora em crise, interpretada e aplicada da forma como foi no caso concreto, é inconstitucional por- quanto confere à parte que elabora a nota de custas de parte a faculdade de definir, sem qualquer controlo judicial, o montante que a parte contrária tem de depositar para que a sua reclamação seja apreciada por um tribunal. 25. Não pode permitir-se a uma das partes, sem qualquer controlo prévio, a definição do montante que a parte contrária terá de pagar para exercer o seu direito. 26. A admitir-se este entendimento, estava encontrada a forma de privar a parte contrária de reclamar da nota de custas de parte ou de tornar o exercício desse direito excessivamente oneroso, já que bastaria atribuir a tal nota um valor excessivamente alto. 27. O artigo 20.º, n.º 4, da CRP, consagra a exigência de um processo equitativo que postula a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas ou igualdade processual. 28. A consagração da possibilidade de reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte em moldes que permitam à parte vencedora a possibilidade de determinar quanto do seu património é que a parte vencida irá ter que onerar para poder, em juízo, discutir se o valor indicado na nota de custas de parte é ou não correto, não é consonante com o direito a um processo equitativo e à igualdade de armas. 29. Quando interpretada a norma do artigo 33.º, n.º 2, da Portaria no sentido de sujeitar, obrigatoriamente, a admissão e conhecimento da reclamação da nota justificativa e discriminativa de custas de parte ao prévio depósito da totalidade do montante dessa nota, não se assegura um suficiente grau de garantia de que existe uma tutela efetiva. 30. O artigo 20.º, n.º 4, da CRP, consagra a exigência constitucional de um processo equitativo e leal o que implica que se assegure o direito de defesa e o princípio do contraditório. 31. Não é equitativo o mecanismo de reclamação consagrado na norma alvo de análise porquanto permite que uma das partes possa, livremente e sem qualquer controlo – judicial ou normativo, determinar qual o preço a pagar pela parte contrária para exercer o seu direito de contraditório e defesa, uma vez que, ainda que o legislador forneça critérios, não determina qualquer forma efetiva de controlo em face da (não) observância dos mesmos. 32. A norma ínsita no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria, quando interpretada no sentido de sujeitar, obrigatoria- mente, a admissão e conhecimento da reclamação da nota justificativa e discriminativa de custas de parte ao prévio depósito da totalidade do montante constante dessa nota é inconstitucional, porquanto viola o direito de acesso ao direito, o direito de acesso aos tribunais, o direito à tutela jurisdicional efetiva, bem como, o direito a um processo equitativo, o direito à defesa e ao contraditório e, ainda, o princípio da proporcionalidade, consagrados, respetiva- mente, no artigo 20.º, n.º 1 e n.º 4, e no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.» (fls. 1598-1603) Os recorridos não apresentaram contra-alegações.  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

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