TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

259 acórdão n.º 680/14 «Aqui interessa sobretudo a conexão entre a alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º e o n.º 2 do artigo 106.º Com efeito, apesar de a primeira referir apenas a «criação de impostos» e não fazer qualquer referência ao artigo 106.º, n.º 2 (ao contrário do que sucedia com o preceito paralelo da Constituição de 1933, na sua última versão), é hoje indisputada a interpretação de que ela abrange todos os elementos referidos no n.º 2 do artigo 106.º e que existe uma perfeita homologia, nessa área, quanto ao âmbito dos dois preceitos. Em matéria de regime dos impostos, aquilo que é reserva de lei segundo o artigo 106.º, n.º 2, é reserva de lei da AR segundo o artigo 168.º […] Esta interpretação da reserva de competência legislativa da AR é, desde logo, a única que colhe apoio nos trabalhos preparatórios da Constituição, pois o texto originariamente aprovado para o preceito que veio a constituir o n.º 2 do artigo 106.º referia explicitamente que tais matérias eram da competência da Assembleia, tendo tal referência desapa- recido na redação final apenas para não impedir a autorização legislativa ao Governo (cfr. Diário da Assembleia Cons- tituinte, pp. 2641 e segs.). É também – e sobretudo – aquela que melhor corresponde, não apenas ao sentido global da CRP quanto ao alargamento das matérias reservadas à AR – sendo por isso incongruente que em matéria fiscal ela fosse menos exigente do que a própria Constituição de 1933 –, mas também às exigências que o princípio do Estado de direito democrático (cfr. o artigo 2.º da CRP) faz ao tradicional princípio da legalidade tributária. Trata-se de garantir que a criação dos impostos, bem como a definição dos seus elementos (incidência, taxa, etc.), sejam definidos pelo órgão legislativo por excelência que é a assembleia representativa. O princípio da legalidade tributária, na sua dimensão de garantia da auto-tributação – isto é, definição dos impostos pelos próprios cidadãos através dos seus representantes –, pode ter hoje um significado não coincidente com o seu sentido originário, mas não assume menos relevo constitucional num Estado de direito democrático de vocação social(ista) do que no Estado de direito liberal oitocentista. Se antes assumia primacial relevo a defesa da propriedade contra as exações do soberano, hoje sobressai a participação democrática de todos os cidadãos na definição e distribuição dos encargos públicos (aliás acrescidos pelas exigências económicas e sociais do «Estado social» contemporâneo). Não diminui o alcance deste princípio o facto de a AR poder autorizar o Governo a legislar em tais matérias. Sempre se torna necessário que a AR defina o sentido, a extensão, e a duração de tais autorizações, cuja utilização ainda pode ser controlada a posteriori, através do processo especial de não ratificação (cfr. o artigo 172.º da CRP). Tais requisitos valem, aliás, tanto para as autorizações verdadeiras e próprias como para as chamadas «autorizações fiscais» do Orçamento, que integram o normalmente extenso programa fiscal anual constante da respetiva lei. Pode mesmo dizer-se que a possibilidade de autorização legislativa ao Governo ajuda a desarmar a pressão para uma interpretação complacente do princípio da reserva legislativa da AR em matéria fiscal em homenagem a razões de tecnicidade e celeridade de muitas medidas fiscais. Seja como for, a verdade é que o âmbito da competência legislativa reservada da AR em matéria fiscal decorre claramente delimitado, no que aqui interessa, por referência aos elementos referidos ao n.º 2 do artigo 106.º da CRP.» 8. Por outro lado, importa ter presente que não cabe discutir se o benefício previsto no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, constitui um benefício fiscal proprio sensu ou uma isenção fiscal. Esta especificação conceptual não releva para a apreciação do problema de constitucionalidade ora em apreço, uma vez que, como já disse anteriormente o Tribunal Constitucional, «considerando-se que [no caso das isenções fiscais] com a sua previsão é definida a incidência negativa de um imposto, seu elemento essen- cial, entende-se que a sua instituição também está sujeita a reserva de lei material» (cfr. Acórdão n.º 119/10).  No caso em apreço, o benefício ou isenção fiscal foi originariamente criado pelo Governo provisório, em momento anterior à vigência da Constituição de 1976. Posteriormente, e já na vigência da Constituição de 1976, a isenção fiscal foi mantida pela Assembleia da República, como decorre da Lei n.º 21-B/77, de 9 de abril. A alteração posterior ao regime da isenção efetivou-se através do Decreto-Lei n.º 316/79, de 21 de agosto, emitido ao abrigo da autorização constante da Lei n.º 21-A/79, de 25 de junho. A história legislativa desta figura mostra, portanto, que, na vigência da Constituição de 1976, as intervenções no respetivo regime jurídico obedeceram à reserva de lei parlamentar.

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