TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

260 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em suma, é de dar por assente que a isenção fiscal em apreço integra matéria da reserva de competência da Assembleia da República. Mas será que, por esse motivo, a intervenção legislativa constante do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de agosto, pelo qual se procedeu à revogação do sistema poupança-emigrante consti- tuiu uma intromissão constitucionalmente ilegítima do Governo no domínio da competência reservada da Assembleia da República? 9. Entende-se que não. A técnica de atribuição do benefício fiscal em análise residiu sempre, ao longo das diversas modificações que o respetivo regime jurídico sofreu, numa associação do mesmo não a uma realidade factual mas sim a uma realidade normativa (o sistema de conta crédito denominada “poupança-emigrante”, inicialmente designado sistema de poupança-crédito). A criação desta figura resultou do exercício da competência legisla- tiva própria do Governo e, na verdade, a mesma não consubstancia matéria integrada na reserva de compe- tência legislativa da Assembleia da República. Segundo o artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição, compete ao Governo, no exercício de funções legislativas, legislar em matérias não reservadas à Assembleia da República. As matérias que se encontrem fora da competência legislativa da Assembleia da República (e, se aplicável, dos órgãos das regiões autónomas) e não cobertas pela competência legislativa exclusiva do Governo, integram um espaço de competência legis- lativa concorrencial entre o Governo e a Assembleia da República. Tal competência legislativa do Governo é própria, não se encontrando subordinada ao Parlamento. Ora, o modo de atribuição da isenção de IMT em apreço associa a mesma a uma realidade normativa criada no exercício da competência legislativa própria do Governo. Esta técnica determina o imbricamento do benefício no sistema de poupança, de tal modo que eventuais vicissitudes no regime deste se repercutem necessariamente no modo como a isenção de imposto é atribuída.  Mas esta técnica de atribuição do benefício fiscal – por associação a uma realidade normativa cuja criação e manutenção não se integra na reserva da Assembleia da República – não pode significar que, por causa dessa opção legislativa, o Governo fique coartado, para o futuro, no exercício do seu poder legislativo próprio, designadamente ficando vinculado à manutenção do regime do sistema de poupança na medida em que a mesma é essencial para conferir operacionalidade ao benefício fiscal. Admitir-se uma tal vinculativi- dade para o futuro, no sentido pretendido pelos recorrentes, implicaria uma intromissão da Assembleia da República na esfera de competência legislativa própria do Governo, muito para além do que a Constituição prevê e autoriza mediante o mecanismo de apreciação parlamentar de atos legislativos (cfr. o artigo 169.º). Um tal raciocínio produziria, portanto, a consequência de tornar o Governo refém da manutenção do regime jurídico do sistema de poupança-emigrante, na medida necessária a dar efeitos, para o futuro e indetermina- damente, à aplicabilidade do benefício fiscal que a Assembleia da República decidiu associar àquela figura. Sendo certo que, por via da revogação para o futuro (com a salvaguarda das operações já contratadas, imposta pelo princípio da proteção da confiança) do sistema poupança-emigrante, o benefício fiscal em apreço se tornou inaplicável por impossibilidade de verificação dos respetivos pressupostos – o que configura uma situação de caducidade, como bem decidiu o tribunal a quo –, tal resultado apenas poderia merecer cen- sura constitucional, caso consubstanciasse uma invasão do Governo do espaço de competência reservada da Assembleia da República. O que não é o caso: a eliminação do benefício para o futuro resultou não de uma tal intromissão, mas sim da opção prévia da própria Assembleia da República em associar o benefício fiscal a uma realidade normativa cuja criação e manutenção se integra na competência legislativa própria do Governo. Assim, e dado que a referida isenção não consubstancia qualquer obrigação constitucional de discrimi- nação positiva, nenhuma ofensa se verificou ao princípio da legalidade fiscal, tanto mais que, na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de agosto, nada impede a Assembleia da República de criar um benefício fiscal semelhante que pudesse operar de modo análogo ao anterior e em termos autónomos, prescindindo da mediação do instituto jurídico da conta poupança-emigrante.

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