TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

277 acórdão n.º 683/14 penal. Com efeito, de acordo com a redação anteriormente vigente (do artigo 215.º do CPP) não se esta- belecia, de modo expresso, qual o momento processual adequado para a prolação de tal despacho e, muito menos, qual o prazo-limite para esse efeito. No Acórdão n.º 287/05, este Tribunal considerou que nem sequer uma declaração de excecional complexidade que tivesse lugar na fase recursiva se afiguraria contrária à Lei Fundamental: «Refira-se, a final, que a circunstância de a declaração ocorrer na 2.ª instância não é relevante para efeito do presente juízo de não inconstitucionalidade, já que as dificuldades de um processo quanto à caracterização e com- preensão dos factos podem manifestar-se em qualquer fase do respectivo decurso.» Ora, ainda que o referido acórdão não se tenha debruçado, especificamente, sobre a presente questão normativa, certo é que dele se pode extrair um sentido geral concordante com a possibilidade de apreciação, a todo o tempo, da necessidade de declaração da excecional complexidade de um concreto processo penal.  Não foi, porém, esse o entendimento vertido pelo legislador de 2007 na lei processual penal, que passou a mencionar a necessidade de prolação desse tipo de despacho de modo a que a excecional complexidade fosse “declarada durante a 1.ª instância” (cfr. artigo 215.º, n.º 4, do CPP). Importa, portanto, verificar se uma interpretação, dele extraída, no sentido de que a expressão “1.ª instância” abrange qualquer momento da tramitação processual perante o tribunal de 1.ª instância e não apenas a fase de julgamento (e de prolação da correspondente decisão condenatória) se pode considerar conforme à CRP. E mais importa ponderar se a primeira daquelas interpretações contenderia com o princípio da legalidade penal (28.º, n.º 1, da CRP), extensivamente aplicável às “normas processuais materialmente penais” e com a proibição de restrição des- proporcionada das garantias de defesa dos arguidos (artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1, ambos da CRP), incluindo as garantias em matéria de prisão preventiva (artigo 28.º, n. os 2 e 4, da CRP).  As normas relativas à duração da prisão preventiva têm vindo a ser entendidas como “normas processuais materialmente penais”, o que significa que se lhes aplicam, com as devidas adaptações, as exigências constitu- cionais correspondentes às normas penais. Poderia, assim, discutir-se se a interpretação normativa acolhida pela decisão recorrida resvalaria no princípio da legalidade penal, por corresponder a uma interpretação por via ana- lógica (ou, pelo menos, a uma interpretação extensiva) da letra da lei. Sucede, porém, que o legislador processual penal não distinguiu as fases da tramitação processual junto do tribunal de 1.ª instância, não operando qualquer cisão entre a fase de julgamento e a fase posterior, incluindo a de interposição de recurso e de verificação da admissibilidade do mesmo, pelo Juiz-Relator junto do tribunal de 1.ª instância. Pelo contrário, bem sabendo que a tramitação em 1.ª instância não culmina com a leitura e depósito de decisão condenatória (ou absolutória), o legislador optou por referir-se, de modo genérico, à possibilidade de a excecional complexidade de um concreto processo ser “declarada durante a 1.ª instância”, sem distinguir. Assim sendo, uma leitura contextualizada da letra da lei permite considerar que aquela referência ampla pode incluir toda a tramitação decorrida perante o tribunal de 1.ª instância e não apenas a fase de julgamento e de publicitação da sentença. Aliás, em sentido próximo – ainda que a propósito de outra interpretação normativa do artigo 215.º, n.º 6, do CPP –, este Tribunal já esclareceu, através do Acórdão n.º 603/09, que: «Aplicados tais princípios às normas processuais penais substantivas, como antes se expôs, seria sustentável afir- mar-se que as normas que definem a duração do prazo de prisão preventiva, e, designadamente, a do artigo 215.º, n.º 6, aqui particularmente em foco, não poderão ser objecto de interpretação analógica no ponto em que uma tal interpretação pode pôr em causa o direito à liberdade do arguido. E poderia ainda fazer-se equivaler a essa situação uma interpretação extensiva que, tendo embora no texto legal um mínimo de correspondência verbal, excedesse o sentido possível das palavras da lei, por ser ela ainda assim incompatível com o fundamento da segurança jurídica que está ínsito no princípio da legalidade penal (neste sentido, Sousa Brito, A lei penal na Constituição”, in Estudos sobre a Constituição, 2.º vol., p. 253; admitindo, em geral, a interpretação extensiva em processo penal, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/04).

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