TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

309 acórdão n.º 713/14 garantia constitucional da tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º, n. º 1, da Constituição da Repú- blica Portuguesa (CRP). São essas normas, na referida dimensão interpretativa, que pretende ver declaradas inconstitucionais.  […]» O recorrente apresentou alegações, concluindo da seguinte forma: «1.ª – O recorrente insurge-se contra o acórdão da Relação de Lisboa (3.ª Secção) proferido nestes autos com data de 23.04.2014, o qual, desprezando doutrina pacífica em sentido oposto e os argumentos que alinhou no sen- tido da sua inconstitucionalidade, acolheu o entendimento de que decorre dos artigos 278.º, n.º 2, e 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que a intervenção hierárquica e a abertura de instrução são faculdades de exercício alternativo, pelo que, solicitada aquela intervenção, ficará sempre precludida a possibilidade de requerer a abertura de instrução para sindicar judicialmente a decisão de não acusar proferida pelo Ministério Público, assim negando provimento ao recurso. 2.ª – A afirmação de que tal interpretação normativa não viola a garantia constitucional de tutela jurisdicional efetiva prevista no artigo 20.º, n.º 1, da CRP porque “a lei permite que seja requerido a abertura de instrução para controlo, pelo JIC, da decisão de arquivamento do MP”, parte do pressuposto, manifestamente errado, de que o assistente. ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente, pode sempre, em qualquer circunstância, requerer, de imediato, a abertura de instrução para sindicar judicialmente a decisão de arquivamento do Ministério Público. 3.ª – Sendo o inquérito uma fase processual teleologicamente vinculada a uma decisão sobre o exercício da ação penal, na economia do modelo de processo instituído no nosso Código, constitui uma fase essencial e verdadeira- mente conformadora do processo penal. 4.ª – Por isso é fundamental um efetivo controlo jurisdicional dessa decisão, seja para evitar a submissão a julgamento de pessoas contra as quais foi deduzida uma acusação infundada, seja para sindicar, verdadeiramente, o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público. 5.ª – Esse controlo tem de ser feito por entidade diferente daquela que dirige essa fase de investigação, pois confiar a uma única entidade o poder absoluto (porque insindicável por qualquer outra entidade autónoma e independente) de decidir não investigar determinados factos criminosos, de não identificar o seu autor e de não recolher os meios de prova necessários à apreciação a realizar sobre a submissão do feito a julgamento é, no fundo, atribuir-lhe o poder de não realizar justiça. 6.ª – Não é a intervenção hierárquica provocada pela reclamação que garante a tutela jurisdicional efetiva do ofendido, mas sim o controlo do despacho do Ministério Público efetuado pelo juiz de instrução. 7.ª – Tem prevalecido o entendimento de que a instrução não é um “complemento do inquérito” ou “suple- mento autónomo de investigação”, é, apenas, um mecanismo de controlo, com uma finalidade bem definida: a de “Comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem à decisão de levar, ou não, o caso a julgamento. 8.ª – A fase de investigação por excelência é o inquérito que, nos termos do artigo 262.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal “compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas”. 9.ª – Contrariamente ao que acontecia no Código de Processo Penal de 1929, em que a instrução contraditória tinha por fim, além do mais, “esclarecer e completar” a prova obtida na fase de investigação (a instrução prepara- tória, no processo de querela), a filosofia subjacente ao atual Código de Processo Penal é a de que a instrução é um momento processual de comprovação, um mecanismo de controlo judicial da decisão final tomada no inquérito, não visando completar, ampliar ou prolongar o inquérito, ou, muito menos, realizar outra investigação dos factos, agora pelo juiz de instrução, diferente da do Ministério Público.

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