TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014
344 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL processo (Relativamente à matriz do princípio e sua funcionalidade, cfr. o Acórdão deste Tribunal n.º 259/00, publicado no Diário da República , II Série, de 7 de novembro de 2000). Sendo assim, o contraditório deve funcionalmente, por regra, anteceder a decisão. Mas há casos em que o contraditório pode não anteceder a decisão e se deve admiti-lo apenas diferidamente. Referimo-nos aos casos em que a tutela efetiva e eficaz que o processo deve propiciar tem sério risco de ficar inviabilizada no caso de ser ouvida a parte contra quem essa pretensão é formulada. Desenha-se aqui um conflito de interesses materiais e constitucionais: de um lado, o direito à audição antecipada do requerido; do outro, o direito a uma efetiva e eficaz tutela da pretensão do demandante só asse- gurável, em termos de razoabilidade, se o requerido não for antes ouvido. A solução tem de ser conseguida mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 18.º, n.º 2 da CRP. Nestes casos, dentro dos quais figura sem reserva de dúvida o preceito de cuja constitucionalidade se cogita, há que dar preferência à possibilidade de realização material do direito que o requerente visiona com o seu recurso ao tribunal. Ora a opção por esse objetivo implica que, no caso do arresto, se atue com celeridade e eficácia, de modo a que, a ser concedida a providência, o requerido não disponha de tempo para alienar ou dissipar os bens. O contraditório não é, porém, abolido, sendo apenas diferido para depois da decisão, dando-se então ao requerido a oportunidade de contraditar não só a alegação dos fundamentos feita pelo requerente, mas igual- mente a prova feita sobre eles. A circunstância de esse diferimento para depois da decisão estar dependente da demonstração probatória da existência dos requisitos legais a que está subordinado o procedimento cautelar em causa (artigos 403.º e 404.º do CPC, na redação vigente ao tempo do ato) não deixa de constituir uma garantia de que a restrição à regra geral do princípio do contraditório, traduzida no contraditório diferido, se contém dentro dos limites da adequação e da necessidade que são postulados pelo n.º 2 do citado artigo 18.º da CRP. E o mesmo se diga quanto à natureza simplesmente cautelar, acessória e sujeita a caducidade da providência que é concedida no processo (artigos 382.º, 383.º, 384.º do CPC, na versão vigente ao tempo). E o mesmo se afirme, ainda, com a possibilidade prevista na lei então vigente de o requerido, uma vez notificado, poder não só agravar do despacho, mas também, e até simultaneamente, opor embargos, contra- ditando os fundamentos alegados e a prova produzida (artigo 405.º do CPC) (cfr. os Acórdãos deste Tribunal n. os 337/99, publicado no Diário da República , II Série, de 22 de julho de 1999, em que se decidiu não haver violação do direito de acesso aos tribunais, em virtude da «defesa contra o despacho judicial que decreta o arresto estar sempre assegurada, seja por recurso, seja por oposição de embargos», 739/99 e 598/99, publicados no mesmo Diário, de 8 de março de 1999 e de 20 de março de 2000, respetivamente, e ainda 163/2001 – iné- dito – e 76/2003, publicado no Diário da República , II Série, de 20 de março de 2003). Não tem aqui o mínimo sentido a invocação, como parâmetro de constitucionalidade de disposições do processo civil, do disposto no artigo 32.º, n.º 5 da CRP relativo ao processo criminal, como fazem os recorren- tes. Como resulta do preceito, estamos perante garantias que a Constituição instituiu para o processo criminal que é dirigido contra o arguido e cujo fim tende à aplicação ou não aplicação de uma pena. Também nesta matéria o acórdão recorrido decidiu bem ao não considerar inconstitucional o referido artigo 404.º, n.º 1 do CPC. Ou seja, as razões de eficácia subjacentes ao decretamento da providência impõem que o visado, ainda que tenha no processo penal a posição de arguido, só deva ser notificado após a decisão do arresto. “Só o sigilo da providência cautelar protege o interesse do requente no arresto preventivo”. “Logo, o direito de o arguido ser ouvido, ou de estar presente, artigo 61.º n.º 1, alínea a) , tem de ceder perante os interesses patrimoniais que se visam proteger com a providência. Se assim não fosse, os direitos de crédito decorrentes de atos tipificados como crimes, ficavam desprotegidos face aos direitos decorrentes de outras fontes das obrigações meramente civis.”
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