TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

350 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Constituição impõe quando ao arguido é dada oportunidade de influenciar, em seu benefício, a tomada de decisões que lhe respeitam, também através da possibilidade de esgrimir, em tempo oportuno, argumentos juridicamente sustentados, dirigidos a convencer a instância decisória do fundamento de medidas favoráveis ou da falha de razão de medidas desfavoráveis.» Contudo, não se descortina em que medida o regime normativo impugnado – habilitando a decisão recorrida de decretamento de um arresto preventivo de bens sem a prévia audição do arguido – desrespeita os direitos de defesa que assistem aos arguidos em processo criminal. Deve ter-se em conta que os direitos de defesa acima enunciados – tal como decorrem do artigo 32.º, n. os 1 e 5, da Constituição – consubstanciam importantes garantias a observar em tudo quanto respeite às finalidades próprias do processo penal que foi instaurado. Como se escreveu no Acórdão n.º 303/03, em face da invocação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, «(…) como resulta do preceito, estamos perante garantias que a Constituição instituiu para o processo criminal que é dirigido contra o arguido e cujo fim tende à aplicação ou não aplicação de uma pena.». Não obstante tratar-se de um meio de garantia patrimonial inserido num processo penal – e não um arresto ‘civil’ no quadro de um processo civil com fins distintos – este instituto cautelar não tem em vista as finalidades próprias do processo penal mas antes visa assegurar preventivamente a garantia de um direito de crédito do lesado ( in casu , assistente que deduziu nos autos um pedido de indemnização civil pelo valor dos créditos alegados – cfr. fls. 2 e 15). A conexão que possa existir entre o processo criminal, por um lado, e o direito de crédito e a responsa- bilidade civil fundada na prática de crime (artigo 71.º do CPP) que convocam o uso do meio cautelar em causa, por outro lado, não é de molde a influir diretamente sobre os elementos que possam integrar o tipo legal de crime, não se projetando o decretamento da providência cautelar de arresto sobre a responsabilidade criminal (pessoal) do arguido. Sendo de sublinhar que os requisitos de que depende o decretamento do arresto, também em processo penal por força da remissão consignada no artigo 228.º, n.º 1, do CPP, respeitam tão só à aparência do direito de crédito e ao perigo de dissipação do património (cfr. artigos 391.º e 392.º do CPC), verifica-se que os mesmos não se relacionam sequer com as condutas ou circunstâncias relevantes para a aplicação da generalidade das medidas de coação (sobretudo tendo em conta os requisitos estabelecidos no artigo 204.º do CPP, visando estas medidas, designadamente, assegurar a eficácia e a eficiência do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer no que respeita à execução das decisões condenatórias, ou obviar à continuação da atividade criminosa ou perturbadora da ordem pública), em especial, as decretadas em face de «fortes indícios da prática do crime» ( v. g. artigos 200.º e 202.º do CPP). Acresce que esta medida de garantia patrimonial, requerida pelo lesado, no que toca aos seus fins, não se destina a garantir o pagamento de valores especificamente relacionados com o processo criminal – como sucede em relação à caução económica prevista no artigo 227.º do CPP que é dirigida ao pagamento de penas de multa, custos do processo e outras dívidas ao Estado – para mais quando o arresto preventivo não assume sequer um carácter supletivo em face (da não prestação) da caução económica. Mais se entende que a especificidade contestada – não audição prévia do arguido – não se mostra des- virtuada na sua razoabilidade pelo facto de outras disposições do Código de Processo Penal exigirem essa audição para as medidas de coacção e de garantia patrimonial. São as exigências cautelares próprias do arresto preventivo que determinam a não audição (prévia) do requerido. Resulta de quanto fica exposto que o meio cautelar aplicado não tem em vista as finalidades próprias do processo criminal – cujas garantias associadas não podem deixar de ter em vista a possibilidade de uma con- denação em face da comprovação da prática de um ilícito penal que poderá determinar a aplicação de uma pena ( maxime privativa da liberdade) – mas antes, por força das suas específicas finalidades, a tutela (cautelar, provisória, urgente) dos direitos patrimoniais invocados pelos credores – in casu , a lesada ora recorrida – em face do perigo de dissipação ou alienação dos bens patrimoniais do devedor.

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