TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

359 acórdão n.º 748/14 9. Diversamente daquele caso (estava em causa um crime de dano simples), na situação em concreto dos pre- sentes autos – em que ao profissional não foi renovado o seu cartão de segurança privado, em virtude de ter sido condenado pela prática de um crime de maus tratos do cônjuge ou análogo, p.p. pelo artigo 152.º do Código Penal – existe uma conexão relevante entre o crime praticado e a atividade sob licenciamento. 10. O crime de maus tratos do cônjuge (atualmente denominado violência doméstica) é um crime contra a integridade física, que assume gravidade relevante, sendo inclusive alvo de particular atenção por parte da política criminal. 11. É, pois, perfeitamente razoável que o legislador pretenda que quem atente contra a integridade física de outrem de forma gravosa, como é exemplo paradoxal a violência doméstica, não possa exercer funções de segu- rança. 12. Também diversamente do caso tratado no Acórdão do Tribunal Constitucional que serviu de sustento à fundamentação da decisão ora recorrida, a norma da alínea d) do artigo 8.º do D.L. n.º 35/2004, de 21/02, prevê, conforme supra se demonstrou, a possibilidade da anterior condenação não ser obstáculo à atividade sob licencia- mento, caso se verifique reabilitação judicial. 13. A norma legal desaplicada apenas violaria o n.º 4, do artigo 30.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, ínsito no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, caso a “automaticidade” operasse sem que o legislador ordinário tivesse ponderado a gravidade do crime relativamente ao exercício da profissão de “segurança privado” e sem que acautelasse a hipótese de tal efeito cessar por reabilitação judicial. 14. O artigo 30.º, n.º 4 da CRP não impede que o legislador ordinário interdite o acesso a determinada pro- fissão a alguém que tenha sido condenado pela prática de determinado crime, desde que a anterior prática desse crime releve negativamente no exercício da atividade a que se pretende aceder e desde que a interdição não seja indefinida no tempo. 15. Assim sendo, o legislador ordinário, ao ponderar quais as situações que prejudicam a verificação de idonei- dade de um pretendente ao acesso da profissão de segurança privada, entendeu que a condenação pela prática de crime com gravidade relevante condiciona negativamente tal verificação. 16. O legislador cuidou de incluir na norma em apreço a denominada “cláusula de salvaguarda”, uma vez que ali se preceitua que a reabilitação judicial afasta o condicionamento negativo de acesso à atividade de segurança privado por ter existido, por parte do pretendente, condenação pela prática de determinado tipo de crime. 17. A norma legal em causa não viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que visa a necessidade de prever que a atividade de segurança privada é exercida por quem tenha idoneidade para o efeito, impedindo, de forma adequada que alguém condenado pela prática de crime com gravidade acentuada venha a exercer uma fun- ção socialmente sensível, como é a função de segurança, sem prejuízo de salvaguardar as situações de reabilitação judicial, equilibrando o interesse prosseguido com o sacrifício imposto. 18. Tudo visto, a norma legal constante da alínea d) , do n.º 1, do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21/11 não infringe o disposto no artigo 30.º, n.º 4 da CRP e não viola o princípio da proporcionalidade consig- nado na CRP, pelo que deve a mesma ser julgada não inconstitucional. (…)» Tudo visto, cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 4. O objeto do presente recurso é integrado pela norma constante do artigo 8.º, n.º 1, alínea d) , con- jugada com o n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de fevereiro, na parte em que nela se prevê que a condenação pela prática dos crimes aí elencados determina automaticamente o indeferimento do pedido de renovação do cartão profissional de segurança privado. A norma em causa tem a seguinte redação:

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