TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

386 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL autos, como a liberdade condicional; porém, a concessão de licença de saída jurisdicional não é uma medida comparável à concessão de liberdade condicional, desde logo, porque, enquanto esta repre- senta a devolução do condenado à liberdade, embora com sujeição a condição resolutiva, a concessão de licença de saída jurisdicional não representa o fim da prisão, uma vez que, findo o prazo pelo qual foi concedida, o condenado regressa ao estabelecimento prisional; por outro lado, a concessão da liberdade condicional não é um poder discricionário do juiz, mas «um poder-dever, de um poder vin- culado à verificação da totalidade dos pressupostos, formais e substanciais, de que a lei faz depender a concessão», enquanto a concessão de licença de saída jurisdicional é um poder que se exerce num espaço em que a margem de discricionariedade é mais ampla e mais visível. V – Não havendo comparação entre a licença de saída jurisdicional e a liberdade condicional, o argumento de que o atual Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL) remediou a inconstitucionalidade, ao prever a recorribilidade da decisão que recusa a liberdade condicional, não pode ser invocado para sustentar a inconstitucionalidade da irrecorribilidade da decisão que recusa a licença de saída jurisdicional, pois esta licença não acaba com o estado detentivo do recluso, como acontece com a liberdade condicional, tratando-se apenas de uma especial modalidade de execução, uma fase normativamente delimitada do tratamento prisional, que é atuada através de um processo penitenciário que em primeira linha está ao serviço da execução da pena privativa da liberdade, pelo que, com esta natureza, não cai no âmbito normativo do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição. VI – Não garantindo a Lei Fundamental, no artigo 32.º, a faculdade de se recorrer da decisão denegatória da licença de saída jurisdicional, o duplo grau de jurisdição ainda poderia ser sustentado no princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, dado que nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 30.º da Constituição os condenados a pena privativa da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução; simplesmente, como a garantia de uma tutela jurisdicional efetiva (e não formal) se pode analisar em várias dimensões, nem todas elas constituem concretizações ou manifestações integradas no seu núcleo essencial, insuscetível de ser afetado, assim acontecendo com a garantia do duplo grau de jurisdição, que não é abrangida em todos os casos pelo direito de acesso aos tribunais. VII – O que está garantido no artigo 20.º da Constituição é que o legislador assegure a «todos» os cidadãos o acesso a um grau de jurisdição e que, sempre que estabeleça vários graus de jurisdição, que garanta igualmente a todos, sem discriminação de natureza económica ou outra, o acesso a esses graus; ora, a intervenção judicial na concessão da licença de saída do estabelecimento prisional representa já o acesso do recluso a um grau de jurisdição, ou seja, à tutela jurisdicional mínima que é coberta pelo n.º 1 do artigo 20.º da Constituição; não sendo a licença de saída um direito fundamental do recluso, mas apenas uma medida individual de reinserção social, o legislador não está vinculado a garantir que a decisão judicial que a conceda ou negue tenha que ser reapreciada por um tribunal de segunda instância, pelo que, nesta dimensão normativa do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, a garantia do duplo grau de jurisdição de decisão judicial relativas a licenças de saída jurisdicionais não goza de uma proteção constitucional. VIII– Apesar disso, o legislador previu, no artigo 196.º do CEPMPL, a possibilidade de recurso para a Rela- ção da decisão que concede, recuse ou revogue a licença de saída, no entanto, enquanto o recluso ape- nas pode recorrer da decisão que revoga a licença, o Ministério Público pode interpor recurso da deci- são que concede, nega ou revogue a licença, importando, pois, averiguar se a diferença estabelecida

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