TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

389 acórdão n.º 752/14 9.º A Reclamação fundamentou-se na repulsa do recluso em aceitar que a decisão que recuse a concessão de uma licença de saída jurisdicional apenas é recorrível pelo Ministério Público, como resulta do disposto no artigo 196.º, n.º 1 do CEP. 10.º O artigo 236.º n.º 1, alínea b) do CEP, consagra o direito ao condenado a recorrer contra as decisões contra si proferidas. 11.º A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32.º n.º 1, garante o direito ao recurso em processo penal, para além de que o processo penal tem estrutura acusatória. 12.º O artigo 18.º da CRP impede que a Lei (ordinária, entenda-se) possa restringir os direitos, liberdades e garantias, salvo nos casos previstos na própria CRP, o que não é o caso dos presentes autos, pois esse limite foi imposto por lei ordinária, no caso os artigos 196.º n.º 2 e 235.º do CEP. 13.º Face à Lei Fundamental, não poderia nunca o arguido recluso ser impedido de recorrer de uma decisão contra si proferida, como a que recusa a licença de saída jurisdicional, sendo que o Ministério Público pode recor- rer da decisão que conceda, recuse ou revogue a licença de saída jurisdicional – cfr. artigo 196.º n.º 1 e 2 do CEP – o que configura uma clara violação dos direitos do arguido recluso, nomeadamente do princípio da igualdade de armas e da proporcionalidade em processos penal. 14.º Viola a Constituição o facto do Ministério Público ter mais poderes que o arguido recluso, em prejuízo deste (artigo 196.º, n.º 1 do CEP), uma vez que a Lei apenas atribui ao MP o direito ao recurso, sendo este direito vedado ao arguido (por não estar expressamente previsto no n.º 2 do artigo 196.º do CEP), em contradição com o estatuído na Constituição – artigo 32.º n.º 1 da CRP. 15.º O Ministério Público poder recorrer em favor do arguido, mas o artigo 196.º, n.º 1 do CEP não prevê a possibilidade do MP recorrer exclusivamente em favor do arguido, podendo o MP recorrer em desfavor deste, o que não raras vezes acontece (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Proc. 1.682/10.0TXEVR. – D.E1, de 6 de fevereiro de 2013 – in www.dgsi.pt ), o que configura uma desigualdade de direitos das partes, para além da restrição dos direitos de defesa do artigo 32.º da CRP. 16.º Por conseguinte, há uma clara inconstitucionalidade do artigo 196.º n.º 2 do CEP, já que está vedado ao recluso – pessoa afetada pessoalmente – recorrer contra decisão contra si proferida, por não estar expressamente previsto neste artigo. 17.º Não se pode aceitar que o arguido/recluso seja impedido de recorrer de uma decisão que o afeta pessoal- mente, quando o Ministério Público, que não está recluído nem privado do seu direito à Liberdade (artigo 27.º n.º 1 da CRP), pode, de forma mais abrangente, recorrer dessa decisão que “conceda, recuse ou revogue”. 18.º Não há Inconstitucionalidade mais grave que aquela que atinge o Direito à Liberdade, relativo a uma saída precária. 19.º Está em causa o artigo 32.º da Constituição, relativo às garantias do Processo Penal, e ainda o artigo 18.º da Lei Fundamental – direito fundamental – Direito à Liberdade, consubstanciado na possibilidade do arguido recorrer de uma decisão que não lhe concede uma licença de saída jurisdicional, vulgarmente designada de saída precária. 20.º O cumprimento de pena de prisão por um condenado visa, entre outras coisas, reeducar o indivíduo, ressocializá-lo e reintegrá-lo na sociedade. 21.º Estas são as finalidades da punição em penas de prisão. 22.º Atendendo a estes princípios, é garantido que a Lei prevê a concessão de saídas jurisdicionais, previstas pelo artigo 78.º do CEP, que refere que podem ser concedidas licenças de saída quando se verifiquem certos requi- sitos. 23.º Trata-se, neste caso, de um verdadeiro poder-dever do Estado, a quem incumbe auxiliar o recluso (artigo 2.º e 9.º da Constituição). 24.º Em matéria de concessão de saídas jurisdicionais, sempre que as mesmas forem recusadas, deve o arguido recluso ter direito a recorrer, caso entenda que a decisão contra si proferida o prejudica, como foi o caso. 25.º Trata-se de uma verdadeira questão de constitucionalidade a de saber se a Lei (ordinária) pode restringir os direitos, liberdades e garantias, incluindo o recurso, para além dos casos previstos na CRP.

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