TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

396 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL das medidas de segurança privativas da liberdade, em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica (artigo 30.º, n.º 2).  12. Se há matérias onde é possível traçar uma linha evolutiva clara, uma delas é, seguramente, a da jurisdi- cionalização da execução da pena de prisão [sobre esta evolução, Anabela Rodrigues, Novo Olhar (…) , p. 129 e segs.]. Mercê, certamente, da posição jurídica que o recluso foi assumindo na execução desta sanção privativa da liberdade, acompanhando a “nova conceção dos direitos fundamentais como direitos de todas as pessoas, nas diversas circunstâncias da vida social, relativamente a todos os poderes, quaisquer que sejam” (Vieira de Andrade, “O internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica na perspetiva dos direitos funda- mentais”, in A Lei de Saúde Mental e o Internamento Compulsivo, Coimbra Editora, p. 73, autor que se refere expressamente aos reclusos nas pp. 74 e 77). Conceção de que o artigo 30.º, n.º 5, da CRP é expressão aca- bada – os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução. (…) Esta orientação é claramente infletida com o Decreto-Lei n.º 783/76, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 222/77 e pelo Decreto-Lei n.º 204/78, de 24 de julho. A par da intervenção justificada pela “novidade” da decisão (modificação ou substituição das penas ou das medidas de segurança), o que continuava a incluir as decisões em matéria de liberdade condicional, instituto cuja natureza jurídica continuava a resistir à de mero incidente na execução da pena de prisão (artigo 22.º), o Tribunal de Execução das Penas passou a exercer funções de garantia da posição jurídica do recluso (artigo 23.º). Nomeadamente, passou a competir ao juiz deste tribunal visitar, pelo menos mensalmente, todos os estabelecimentos prisionais, a fim de tomar conhecimento da forma como estão a ser executadas as condenações e a conceder e revogar as saídas precárias prolongadas (artigo 23.º, 1.º e 4.º). Com este ponto de chegada é uma nova fase que se inicia, marcada pela tendência para estender a inter- venção jurisdicional a toda e qualquer questão relativa à modelação da execução que possa contender com os direitos do recluso. O que arrasta a necessidade de repensar a intervenção do juiz no âmbito da execução das sanções privativas da liberdade. Do que se trata, com efeito, é de converter a intervenção jurisdicional em garante da execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade, na medida em que a sua modelação afete diretamente os direitos do recluso [Anabela Rodrigues, Novo Olhar (…) p. 137, itálico aditado].  Do que se trata, afinal, é de conter esta intervenção no âmbito da função jurisdicional (artigo 202.º, n. os 1 e 2, da CRP), dando ao juiz da execução das sanções privativas da liberdade o papel de juiz das liberdades, à semelhança do que sucede em outros lugares do ordenamento jurídico (cfr. artigo 32.º, n.º 4, da CRP). Sem prejuízo de a reserva de juiz significar também que é da competência de um tribunal tomar certas decisões no decurso da execução (por exemplo, as que modificam, substituem ou complementam a sentença condenatória).” 42.º Ora, o digno Juiz de execução das penas manteve, nos presentes autos, a sua integral competência de “juiz das liberdades”, ponderando, adequadamente, os interesses e a pretensão do recluso, bem como os interesses da sociedade, a cujo convívio o mesmo recluso pretende regressar, ainda que de forma incidental e transitória. Por outro lado, o recluso, ora recorrente, manteve a titularidade dos seus direitos fundamentais, a restrição destes direitos fundamentais foi definida por lei e tal restrição teve como fundamento o sentido da condenação e as exigências próprias da execução (cfr. Acórdão n.º 20/12 deste Tribunal Constitucional), tendo estado “subor- dinadas a um princípio de legalidade (exigem previsão legal) e de proporcionalidade (adequação e necessidade).” Acresce, que houve lugar a uma tutela judicial efetiva do recluso, uma vez que a decisão foi proferida pelo juiz de execução das penas, com totais garantias de independência e imparcialidade. Assim, a intervenção do poder jurisdicional, no presente procedimento, decorreu da garantia constitucional do direito de acesso ao direito e aos tribunais, estabelecido no artigo 20.º da Constituição. Bem como do artigo 30.º, n.º 5, da Constituição, uma vez que o direito de acesso ao tribunal não é mais do que a garantia adjetiva necessária à efetivação dos direitos fundamentais do recluso e, por isso, é necessariamente um dos direitos cuja titularidade o recluso mantém.

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